A ideia de fronteira é impor limites. A um país, uma língua, uma atitude, uma postura, o que quer que seja, tangível ou intangível, cuja área de acção se possa delimitar.
As primeiras limitações geográficas que se me impuseram eram as de um bairro infantil onde vivia com os meus pais, ia à escola e tinha todas as rotinas dum menino eborense. Porém, concebia a plenitude no outro lado da cidade, onde encontrava um afecto que só os avós podem dar. Ingénuo invejava um bairro ainda mais pobre que o meu, com menos recursos, mais envelhecido e com menos crianças para brincar e prosperar.
A sensação da vida me dever enquadrar onde queria, de estar bem onde não estou, remete-me apenas para essa época. O Alentejo ironicamente alargou-se pela Península e o consolo tem-se revelado na medida mais humana, na fé de um homem ir fazendo o que pode até o seu destino lhe ser revelado.
Em Portugal ouvi, e oiço, com frequência, que a vida é melhor, ou mais fácil, em Espanha. O contrário, do outro lado da fronteira, nem por isso. Espanha, mesmo que tenha muito que invejar de Portugal, não o dirá porque, simplesmente, não está para aí virada. Razão tinha Ruy Belo ao afirmar que não há capital do mundo mais distante de Lisboa do que Madrid.
Em espanhol e português, “algo bom” é sinónimo de “envidiable” ou invejável. O francês, o italiano e até mesmo o inglês não escapam a esta herança latina, renegada pelas raízes “bárbaras” do alemão que falam mais alto. Desconheço outras realidades para questioná-las, mas pergunto-me o que levou estes dois povos peninsulares a verbalizarem “invejável” como algo positivo? Como é que alguém pode usar inveja como motor de explosão se esta não gera movimento e apenas se atasca na inércia?
Na minha condição de entre duas terras confrontam-me, frequentemente e sem direito a fazê-lo (pois a única coisa que desgoverno é a minha casa), com uma espécie de Manifesto anti-Dantas económico: “se Portugal é português, eu quero ser espanhol”! Discutem economias, impostos automóveis, combustíveis, produtos de higiene corporais mais baratos (infelizmente não lavam o íntimo), até a alegria na rua e um sem fim de coisas. Não discuto o óbvio, mas não admito que mo atirem à cara. Fisicamente sei se temos os cotovelos sempre apoiados nas mesmas ideias, primeiro começam a doer e, inevitavelmente, escarificam. Saramago diagnosticou esta escarificação articular como a doença nacional.
Nos apontamentos para esta crónica estão sublinhadas duas atitudes cuja fronteira separa por escassos quilómetros. Ambas têm uma cabeça, dois braços e duas pernas. É verdade, têm BI diferentes, tal como regimes, fiscalidades e circunstâncias humanamente diferentes. A espanhola trabalha em Portugal, dignifica o país, e acredita que tudo o que o seu vizinho faz de positivo sempre salpica para melhor qualquer bairro. A portuguesa, residual no colectivo emigrante, não dignifica nada nem ninguém. Não se move pela decência de buscar trabalho e uma vida melhor. Impera outra forma de ser e de estar: chular o vizinho. Não é à toa que lhe chamam mercenário ou “portugués pesetero”.
Tento contornar todos os estereótipos e preconceitos que o colectivo quer impor ao indivíduo, mas entristece-me encontrar na raia, com demasiada frequência, essa “raiz de infinitos males e carcoma das virtudes” que é a inveja, a qual, e como Unamuno, concebo “mil vezes mais terrível do que a fome, porque é fome espiritual”. Não quero sucumbir desta subalimentação. Se me entra essa carência, espero encontrar na minha cabeça, nos meus braços e nas minhas pernas a força suficiente para cavar e semear na terra alguma virtude que me restar.
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