A Mais Alentejo, quase a esgotar-se nas bancas, alberga esta minha crónica. Não me significo grande coisa, com excepção de ser filho do Sr. Hipólito Pinto, hoje a celebrar mais uma Primavera. Parabéns pai! Já com pêlos brancos na barba, tento não ser nem o mais esperto, nem o mais parvo, vou ali pelo meio, como na tropa...
La Mais Alentejo, todavía en los quioscos, alberga mi crónica Significarse. No me significo gran cosa, con excepción de ser hijo de D. Hipólito Pinto, que hoy celebra una Primavera más. ¡Felicidades papá! Ya con canas en la barba, intento no ser ni el más listo, ni el más tonto, voy por el medio, como en la mili…
Significarse
Eis-me aqui a olhar para o céu, a
fugir à escrita e a cobiçar a plenitude biológica da passarada, as suas asas,
neste dia sem nuvens, de rotina seca e fria. Na rua, ainda se vivem as festas,
come-se, bebe-se, consome-se. Essa é a realidade do dia remetida para segundo
plano pelos meios de comunicação espanhóis, pois reina a situação política na
Catalunha.
Penso em escrever sobre política
e arrependo-me de imediato. Admito demasiadas dúvidas, poucas certezas e isso
afasta-me de fervorosas convicções. A este facto, somemos-lhe uma educação de
discrição durante a época do idealismo da adolescência. Não dês nas vistas, não te manifestes demasiado eram frases do meu pai que não duvidava em
recorrer à sua experiência de veterano militar e assim adestrar-me para a vida
com um isto é como na tropa, não podes ser nem o mais esperto, nem o mais
parvo, tens de andar ali pelo meio.
É pelo meio que se sobrevive. É a
meio que se equilibra o fio da balança. É no meio das cores, na fusão das
mesmas, que se afiguram outras tonalidades. Os extremos só veem branco ou
preto, o meio sabe da existência do cinzento. Foi no meio onde aprendi a
encontrar a virtude e a tolerância, algo, a meu ver, distante da cobardia.
O tempo foi passando e, como no
meio do trânsito intenso, olho com frequência pelo retrovisor para evitar
choques desnecessários. Já deste lado, nesta terra onde escrevo, deparei-me com
uma expressão conotada com dar nas vistas: significarse. Verbo reflexivo, impossível
de traduzir-se literalmente, porém de fácil compreensão, encontra-se no
dicionário como fazer-se notar, distinguir-se por alguma qualidade ou
circunstância, para resumir, à portuguesa, evidenciar-se.
Quero manter o low-profile político, evitar partilhar, ainda mais, a inutilidade da minha escrita. No
fundo, quero honrar a prudência castrense do Sr. Hipólito. No entanto, não sou
capaz. Significa-me a fartura. Estou cansado desta coisa da fronteira.
Seria mais cómodo zangar-me com o
mundo, mas o raio da humanidade tem as costas largas. Opto por zangar-me comigo
mesmo e reconhecer que, a fartura de Portugal, de Espanha, da Catalunha, da
globalização low-cost, do empreendedorismo de Web Summit, das pós-verdades,
da exaltação do selo valer mais que o conteúdo da carta, da ilusão óptica das
economias de escala a iludirem a pequenez do dinheiro em relação à dimensão
humana, tudo isto é uma fartura de ao assumir-me, estar farto de ter de me
assumir.
Não me admiro do estimado leitor
já se ter fartado de mim. Tem razão. Porém, se ainda me vai acompanhando,
permita-me recorrer a uma comparação cinematográfica, de série B, feita, há
alguns anos, com o Jean Claude Van Damme. Este actor belga, cujo talento
interpretativo se evidenciava à batatada, com um famoso rotativo no ar de
calças de ganga apertadas, fazia a espargata entre duas cadeiras ou,
recentemente, num anúncio publicitário, entre dois camiões. Era de perna aberta
(apesar de isso soar um pouco estranho...) que me comparava ao JCVD, entre duas
terras, a fazer a espargata entre duas nações. Só fazia esta comparação porque
me sentia em forma e com uma flexibilidade de espírito semelhante à do Belgian
bomber.
Hoje não me sinto em forma. O
corpo significa-te enferrujado e a perder flexibilidade. Mas o eu resiste, não
quer. É-se tanta coisa. Pai, filho, marido, profissional, despistado,
concentrado, veemente, foleiro, inseguro, esperto, parvo... É-se pessoa sem o
génio do Pessoa. É-se um conjunto de gavetas cheia de retratos, lápis gastos,
papéis soltos em vidas desarrumadas, contudo compartimentadas por convenção.
E eis-me aqui a olhar para o céu.
Não vale a pena invejar o voar dos pássaros. Invejo-lhes a ausência de
fronteiras celestes, a ignorância dos mapas por nós desenhados. Eles, lá do
alto, vêem-nos como realmente somos. Insignificantes.
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