Chegou o dia em que se ia cortar
o olmo. A madrugada ainda se vislumbrava nas cores primárias da manhã.
- Bom dia. Como não conseguia
descansar acabei por vir demasiado cedo, sei que é um incómodo, peço-lhe imensa
desculpa. – Apresentou-se, com uma vénia, o Sr. Yaguchi.
- Não incomoda nada. Faça o favor
de entrar. – Disse com amabilidade o Sr. Harada.
Os dois homens sentaram-se no
corredor que dava para o alpendre exterior e tomaram um chá. A conversa era
pouco fluída, ao contrário da última visita dias antes. Em silêncio, dirigiam o
seu olhar em direcção ao olmo. A brisa acompanhou-os.
O olmo erguia-se com firmeza como
se empurrasse o céu nublado e os contemplasse, em pequenez, desde lá de cima. Porém,
mesmo sendo um gigante, via-se conformado com o seu destino, sereno e sabedor
do seu final.
- Aquela árvore já aqui estava
antes de construirmos a casa. Não sei quantos anos terá, mas há trinta anos já
tinha esse especto. – Recordou o Sr. Yaguchi.
- Então já aqui estava quando não
havia nem uma casa neste lugar e ainda tudo era campo e floresta? – Retorquiu o
Sr. Harada ao antigo proprietário da sua nova casa.
- Sim, é verdade. Quando o Verão
chega, as folhas crescem em abundância e espessura, projectando uma grande
sombra. Uma sombra tão fresca que gira como um relógio de sol e vai cobrindo
toda esta zona. E quando se aproxima chuva, toda a árvore fica com o reverso
das folhas esbranquiçado e avisa a sua chegada com um alvoroço que jamais
esquecerei. Quando as gotas de chuva deslizam pelo tronco para depois caírem, a
casca castanho clara da árvore vai escurecendo por causa da humidade. Ao mudar
o seu rosto vai-nos indicando a quantidade de chuva caída.
O idoso continuou a falar debaixo
da sombra cúmplice do olmo, enquanto o seu anfitrião o ouvia com serenos sorvos
de atenção.
- O olmo já aqui vivia antes de
nós. Foi depois de eu para aqui vir que outros começaram a construir as casas
ao seu redor. Apesar de isso, mesmo que as suas folhas caiam, tratá-lo como um
incómodo, como uma chatice, é um sinal do egoísmo das pessoas que chegaram
depois. Quanto à limpeza dos algerozes, se for uma família normal, deveriam
fazê-la todos os anos, mas a limpeza da entrada e do quintal é algo que se
deveria fazer diariamente. Se não caem as folhas do olmo, não limpam ou quê?
O Sr. Harada assentiu com um
misto de tristeza e humor, enquanto o idoso continuou, tão honrado quanto as
intenções do chá que partilhavam.
- Era o que eu sempre
argumentava! É por isso que entre a vizinhança me chamavam o velho teimoso!
Ao ver um ligeiro sinal de
indignação nas palavras do seu convidado, o Sr. Harada apressou-se em tranquilizá-lo.
- Não, por favor, não diga isso.
Estou totalmente de acordo consigo. Odiar as folhas de uma árvore só releva que
nos esquecemos do que é viver com a natureza. É uma atitude presunçosa...
Ao afirmar isto, estava a
entrar-lhe vontade de começar a fazer parte do grupo dos velhos teimosos. Porém, quase em simultâneo, as caras severas das vizinhas e o olhar crítico
dos seus próprios filhos vieram-lhe à mente para se desvanecerem ao ouvir, à
entrada do seu quintal, um sonoro bom dia.
- Bom dia!
Era o encarregado da empresa “Jardins
Tatsu”, acompanhado por três homens fortes que consigo traziam equipamento de
corte e abate de árvores.
- É uma árvore bastante mais majestosa
do que imaginava. – Comentou um dos três homens ao tocar e percorrer o tronco com o olhar.
Num gesto lento, mas decidido, o
Sr. Harada desceu o pequeno degrau que o separava do seu quintal e dos operários
encarregados de cortar o olmo.
- Peço desculpa.
As suas palavras despertaram a atenção do encarregado, o mesmo homem amável e atencioso que, nos
meses anteriores, tivera a tarefa de recompor o jardim à sombra da árvore que
agora iria cortar.
- Sinto muito dizer-lhe isto depois
de já ter todo o seu trabalho organizado, mas... já não quero cortar a árvore.
O encarregado correspondeu com um
“ah sim?” liberto pela sua boca.
- Não se preocupe que vou
compensá-lo bem. Não se importa de dizer aos seus homens que podem ir-se
embora?
Visivelmente aliviado, o
encarregado dirigiu-se ao Sr. Harada de maneira a que os demais o ouvissem.
- Para ser-lhe sincero, odeio
cortar árvores.
Não foi necessário perguntar
o porquê desta confissão a um homem cuja profissão tanto o leva a plantar como
a cortar todo o tipo de plantas.
- Elas têm alma. Por isso estão
sempre a ouvir as nossas conversas e esforçam-se por nos agradar. À frente de
uma árvore que não dá frutos, ou cujas flores não têm uma cor bonita, se dizemos
que a vamos cortar porque é má e não corresponde ao que dela queremos, no ano seguinte
produzirá maiores frutos ou flores mais formosas, como se se estivesse a
emendar do seu comportamento anterior. No fundo, elas também têm coração.
Desde o pequeno alpendre, a Sr.ª
Harada e o Sr. Yaguchi juntaram-se à sombra do velho olmo.
- Agora já entendo. – Disse o Sr.
Harada. – O motivo porque os ramos brotaram tão belos este ano, foi a forma do
olmo, com todas as suas forças, chamar-nos à atenção.
O silêncio foi assentido
momentaneamente por todos, olmo e homens, homens e olmo, até à sentença final
do Sr. Harada.
- Enfim, se continuam a dizer que
este olmo é uma chatice para a vizinhança, eu mesmo me encarregarei da limpeza
dos algerozes!
Sem comentários:
Enviar um comentário