Pensei: “Os Filhos de Oliveira
Martins” até era um bom título para esta crónica, faço um jogo de palavras
entre o legado do escritor e uma das suas mais célebres obras “Os Filhos de D.
João I”... Depressa me apercebi que
poderia induzir o meu caríssimo leitor em erro e remetê-lo para essa realidade
portuguesa (e espanhola também!) de um apelido valer bastante mais do que um
curriculum de excelência.
Contudo, não é sobre endogamia
sistémica que para aqui chamo o apelido Oliveira Martins. Há outros bem mais
sonantes que os do senhor Joaquim Pedro, o que não impede de estarmos perante uma
das figuras-chave da historiografia portuguesa e do iberismo de toda a
Península.
E, já que estamos a falar de
iberismo, remeto-vos, grosso modo, para três tipos: o iberismo económico (de
livre passagem aduaneira, tipo o “Zollverein” alemão); o político (monárquico,
com fusão das coroas, ou republicano, a tender para o federalismo); e o
cultural, que encontramos associado a Oliveira Martins. Isto, logicamente, se abdicarmos
do prefixo “anti” antes de iberismo, esquecendo antagonismos quezilentos.
Com apenas 25 anos, Oliveira
Martins, devido à falência da empresa em que trabalhava, ruma a Espanha para
exercer funções de administrador da portuguesa “Companhia de Minas de Santa Eufémia”,
em Córdova. Aí, a sua experiência vital de quatro anos converter-se-á nessa
aventura intelectual, de 1879, intitulada “História da Civilização Ibérica”, cuja
essência encontramos condensada neste fragmento:
“Se a geografia é a nosso ver
uma causa das graves diferenças que, segundo as regiões, distinguiram os
espanhóis na história e os distinguem ainda hoje, mantendo visíveis caracteres
etnológicos nem sempre fáceis de determinar nas suas afinidades, essa causa não
basta para que, acima de tais diferenças, a história nos não mostre a
existência de um pensamento ou génio peninsular, carácter fundamental da raça,
fisionomia moral comum a todas as populações de Espanha; pensamento ou génio
principalmente afirmado, de um lado no entusiasmo religioso que pomos nas
coisas da vida, do outro no heroísmo pessoal com que as realizamos. Daqui
provém o facto de uma civilização particular, original e nobre”.
Identificados os fragmentos da
Península Ibérica, reconhecidas as brechas, o autor concilia num iberismo que
une, mas não uniformiza. É nesta união cultural que reside o seu “génio peninsular”,
cujo entusiamo e atrevimento nos levou além de Finisterra. Este iberismo não
invalida a integridade territorial e a separação política das nações ibéricas,
sendo Portugal paradigmático. A autonomia lusa reside na vontade política de
independência e não em supostas diferenças raciais com os restantes povos ibéricos.
Apesar de Oliveira Martins jamais
preconizar futuras uniões políticas, nunca deixou de interrogar o porquê da
inviável união ibérica, questionando o tradicional nacionalismo português como
superação do espírito anexionista de Castela.
Há anos, num casamento, alguém, ao
aperceber-se da minha vida se haver encaminhado para Espanha, me chamou
traidor. A piada travestia desdém e desconsideração. O meu desprezo costuma
imperar, mas a agressividade de outrem atacou afectos indefesos além da
fronteira e ecoou, sem sabê-lo, na vida futura dos meus filhos, hoje, tão
espanhóis como portugueses. A réplica fez-se com poucas sílabas de boa gíria
náutica...
Sei que, nesse momento, o meu
iberismo se fez consciente. Também eu, com pouco mais de 25 anos, tal como
Oliveira Martins, vi o meu advir da vida, de ter nascido numa cidade à medida
do homem, que não nos esconde o que somos. Évora é lusitana, latina, árabe e
cristã e fez de mim um rafeiro alentejano, cioso do seu território, da sua intra-história,
porém, cujo rosnar protector da singularidade peninsular em nada se distingue
de um “mastín” espanhol, de um “can de palleiro” galego, de um “euskal artzain
txakurra” e de um “gos d'atura català", vasconço e catalão,
respectivamente. Fiéis às cicatrizes da Ibéria, e aos sonhos imprecisos de qualquer
rebanho/nação, guardamos uma civilização!
"Iberismos" de Luis Leal |
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