sábado, setembro 25, 2021

Diário de uma vitória e de uma derrota (Lisboa, Janelas Verdes, 15 de Março de 2006)

Encontrei o meu bloco de notas de 2006 e encontrei fragmentos que me permitiram recuperar esta entrada de diário do dia 15 de Março. Sem dúvida, um dia que não esqueci, mas que merece estar aqui publicado, nos despojos de várias vitórias com as suas proporcionais derrotas na minha vida. 


Lisboa, Janelas Verdes, 15 de Março de 2006

Estive quase a ser GNR, fui o candidato nº. 21380. Esforcei-me por superar todas as provas físicas, escritas, psicotécnicos, entrevista e até experimentei a farda, lembrando-me dos meus amigos Rui Trinca e Paulo Romero, quem esperava emular em referência e profissionalismo num futuro próximo.
Na entrevista, conheci um Major fora de série, educadíssimo, que quis compreender o meu mundo (“e o que espera a minha filha”, disse-me) perguntando-me o porquê de querer ser militar sendo um jovem licenciado. Não lhe menti, nem me pus com floreados, e não me arrependo. A sinceridade gera respeito e eu senti-o, em todo o momento, por parte deste homem. “Quero sentir-me útil”. Falámos pouco mais sobre o presente que enfrentamos e, sentado do outro lado da mesa, disse-me estas palavras que aqui escrevo para não as esquecer jamais: “Sabe Luís, não se avança o resultado da entrevista aos candidatos no final da mesma, mas, no seu caso, acho que o devo fazer. O Luís está apto. Precisamos de homens com o seu perfil e gostaria de voltar a encontrá-lo como militar da GNR”.
Se quando experimentei o uniforme achei que não ficava nada mal, depois desta entrevista, sentia-me digno do mesmo, estava inchado e até já tinha “soprado” na inspeção médica para provar que tenho dois testículos. Fiquei descansado e já me via em Portalegre a tirar o curso. Porém, as radiografias denunciaram duas coisas, uma grave e a outra parece que não. A primeira, reconfirmaram-me que nasci com uma espondilolistese, a segunda, que não tenho cunhas. Soube isso, ainda sob o efeito da conversa com o meu Major, quando o sargento veio dizer-me que estava excluído, aproveitando, já que estava na sala com mais de uma dezena de aspirantes, para perguntar em voz de sargento: “onde é que está o meu afilhado?”.
O seu afilhado era um gajo vesgo que estava ao meu lado na sala de espera, confessando-nos que não devia muito à inteligência, mas sim ao seu sargento padrinho. Ele ficou apto e eu fiquei fodido. Estou fodido e farto desta merda de país.


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