Cheiro de ferrovia
“Só nos tornamos homens quando o nosso pai morre”, dizem-me. O meu não morreu, mas, ao descer na última estação, algo em nós se silenciou, apesar do pulsar continuo herdado do sangue e dos gestos. Trisavô, bisavô, avô, pai – um caminho-de-ferro na genética e na memória. Cresci graças a conduzirem comboios, a limparem o esterco dos animais empilhados nas carruagens, impedido de prosperar como adubo por despotismo de chefes, vagões atrelados a pequenos poderes, num país saudosista e salazarista.
O cheiro a carvão, a gasóleo e a suor sempre será mais forte do que qualquer perfume na minha roupa. A vida, às vezes, é só isso: um cheiro do passado. Não fujo ao meu, ao de ferroviário.
Luis Leal
Badajoz, 25 de Abril de 2025
Olor de ferrocarril
“Solo nos convertimos en hombres cuando nuestro padre muere”, me dicen. El mío no ha muerto, pero, al apearse en la última estación, algo en nosotros se quedó en silencio, a pesar del latido continuo heredado de la sangre y de los gestos. Tatarabuelo, bisabuelo, abuelo, padre: un ferrocarril en la genética y en la memoria. Crecí gracias a que conducían trenes, a que limpiaban el estiércol de los animales amontonados en los vagones, impedido de prosperar como abono por el despotismo de jefes, vagones enganchados a pequeños poderes, en un país "saudosista" y salazarista.
El olor a carbón, a gasóleo y a sudor siempre será más fuerte que cualquier perfume en mi ropa. La vida, a veces, no es más que eso: un olor del pasado. Yo no huyo del mío, del de ferroviario.
Luis Leal
Badajoz, 25 de abril de 2025
São fotos onde se encontra o meu avô Ventura Pinto, pai do meu pai. Na primeira foto, é o segundo à direita de pé e, na segunda, é o primeiro à direita na janela da carruagem.
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