quarta-feira, janeiro 06, 2016

O Dia das Rainhas Magas (Crónica para o Projecto "Maria Capaz")


O DIA DAS RAINHAS MAGAS por Luís Leal

Um republicano como eu só poderia celebrar um dia dedicado aos reis se vivesse numa monarquia e é o que me acontece há já algum tempo. Essa intrusão do capitalismo no cristianismo chamada Pai Natal, e as suas renas assalariadas, é bem forte no meu Natal português, tendo mesmo derrotado o tradicional Menino Jesus que nos deixava as prendas no sapatinho. Em Espanha, país onde vivo, está longe de ser assim. São Nicolau é uma marca registada forte, sem dúvida, mas o Baltazar, o Gaspar e o Melchior são uma instituição que, ano após ano, traz aos niños e niñas muito mais do que ouro, incenso e mirra: traz-lhe as manhãs inesquecíveis da sua infância.

Ontem fui com a minha família assistir à Cabalgata de los Reyes. Fazia um frio à Hollywood, só não havia neve para lhe dar estilo. E lá estivemos nós a ver um desfile em que bombeiros, polícias e carteiros, super-heróis do dia-a-dia, acompanhavam os Reis Magos que nos saudavam, lançando rebuçados aos quilos para o jubilo, cáries e diabetes das nossas crianças. Tinha o meu filho mais velho aos ombros e quase não apanhámos rebuçados para que pudéssemos ver o que me pareceu uma bonita presença destes membros da comunidade no desfile. Valeu-nos a minha mãe e a minha mulher, afastadas do corso, com o carrinho do nosso bebé (extasiado com tantas luzes e cânticos natalícios), tal como a generosidade dum chico simpático, com uns 9 ou dez anos, que nos ia dando alguns rebuçados, com o argumento:

- Isto é só pelo prazer de os apanhar, os caramelos, porque no final nunca os como!

A véspera de Reis passou fria e feliz, com essa felicidade que espero que se estenda ao resto do ano para todos nós mas, ao chegar a casa, com a televisão sintonizada no telediario, deparei-me com a notícia de que uma autarquia espanhola, creio que a de Valência, organizara a Cabalgata de las Reinas Magas.

Esta iniciativa, de reconhecimento pelo papel fundamental da mulher na sociedade, para alguns, e de atrevimento e heresia constrangedora, para outros, trouxe as Rainhas Liberdade, Igualdade e Fraternidade a desfilar junto das crianças e a encerrar esta época natalícia repleta, como é normal todos os anos, de todos esses estereótipos positivos e negativos que lhes queiramos atribuir.

Pessoalmente, estes dias remetem-me para a infância, a minha de outrora e, agora, a dos meus filhos, dos familiares e amigos que vivem os seus verde anos. Quando se atribui a esta época a máxima hipócrita de que “Natal deveria ser todos os dias”, não sou capaz de contra-argumentar. Seria perder o meu tempo e o do outro. Mesmo assim prefiro pensar, nem que seja apenas uma vez ao ano, em alguns valores de partilha e solidariedade, arrastados por esta quadra. Se para isso é preciso uma data no calendário, que assim seja! Se estou constantemente a marcar coisas inúteis na agenda, é só uma questão de marcar mais uma e logo se vê.

No passado, só sabia que se celebrava o Dia de Reis pelas janeiras e pelo bolo-rei. Nunca fui fã de fruta cristalizada, pior ainda se me calhava a fava. Hoje dou por mim a construir manhãs de Lego com os meus filhos porque, felizmente, a minha mulher e eu, tivemos a possibilidade de lhes trazer estes “presentes de reis” que queremos ver transformados em cenários povoados por rainhas, bem ao género feminista, como a Liberdade, a Igualdade e a Fraternidade.

Cá em casa assumimo-nos heréticos e adorámos ver esta iniciativa do “Ayuntamiento” de Valência! Pergunto-me porque tornou a história tão convenientemente invisível a presença das rainhas? Onde é que já se viu uma visita de estado, mesmo que monárquico, do mais alto dignitário, sem ir de braço dado com a sua Primeira Dama?

Para o ano, temos a certeza que os nossos filhos quererão ver bombeiros, polícias e carteiros a desfilar com Reis Magos bem acompanhados pelas suas respectivas!

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