Escrevo estas notas feitas diário quase sempre antes de me deitar. Fecho o dia com o inventário do que vivi e como o senti.
Estou em Inglaterra há uns dias, em Stockport, mais precisamente em Brinnington, uma das localidades periféricas mais pobres da grande Manchester. Estamos em casa da nossa "família africana", como já aqui escrevi numa entrada anterior, aquela que ganhei graças à minha mulher. Estou grato por isso.
Todos os dias nos deslocamos nos transportes públicos, de autocarro suburbano, para os passeios que damos por esta região que foi o berço da revolução industrial. Fazemos esse turismo ao lado de quem trabalha, sem pretensões de grandes atrações, mas com a certeza que sabemos e valorizamos o seu dia-a-dia que lhes põe pão na mesa.
Inglaterra é uma realidade social tão diferente da peninsular, apesar de todos os templos do consumo nos remeterem para a igualdade do ser em massas, global e tendencialmente acrítica, que não me atrevo a analizá-la. Escrevo aqui o que vi. Enumero sem nenhum rigor na ordem.
1- Há uma maioria de ingleses amparados pelo estado social. Dão nas vistas tal como alguns emigrantes que entendem e usufruem do sistema.
2- Os emigrantes são o motor da economia com trabalhos precários, ausentes de contratos laborais, mas no activo como população.
3- O poder político está totalmente afastado de aglomerados de prédios, periferias convertidas em burgos para dormidas de quem trabalha na grande cidade ou parasita porque lhes é permitido por esse poder para que se possa perpetuar ao comando do país.
4- Há videovigilância por todo o lado. O Orwell já o vaticinara na história da literatura deste país mas como um "big brother" totalitário. Aqui há totalitarismo misturado com paternalismo estatal. Atira-lhe umas migalhas que o povo abdica de tudo, da sua educação, da sua liberdade, da sua dignidade.
5- Nunca vi em tão pouco tempo e espaço tanta obesidade. Cresci a associar a gordura a quem tudo come e nada deixa para os outros. O menino rico com acesso aos chocolates e guloseimas lá do bairro há 30 anos atrás vai ao ginásio, come produtos naturais e tem nutricionista. O pobre apodrece no excesso fácil da nutrição rápida, processada para massas e aumenta o lastro que lhe solda as articulações e nunca conseguirá subir os degraus sociais.
5- Escrevo em Inglaterra, estou aqui por casualidade e atrevo-me a tirar conclusões que tiraria no bairro mais pobre da cidade onde vivo, mas o impacto visual influencia o que aqui redijo.
Há perversão nestes guetos. Do ser humano. Não há só oprimidos ou opressores. Há miséria de espírito e há muitos anos sei que este tipo de miséria não tem classe social. Uno-me a essa miséria, não a desprezo, rezo apenas para que estas palavras rápidas nutram alguém a ter consciência do que se é, do que se pode ser e do que o colectivo quer que sejamos. Sem moral processada como a comida que trago na mochila.
terça-feira, julho 26, 2016
Notas processadas
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