sábado, setembro 22, 2018

Fossa

a máquina abriu uma cova demasiado grande para o teu corpo. a pá obrigou-te a raspar do chão a terra para te cobrires e ao contrário da enxada negou-te o apoio, apenas te lembrou que é a ferramenta do teu fim.
a máquina engrandece a vala para te proibir companhia. dá metros quadrados ao teu corpo da mais pura solidão. resta-te a árvore, a velha amendoeira de raízes rasgadas pela pá mecânica e atiradas por ti, à mão, para o lado do caminho agora parado por esta fossa comum à tua presença.
aséptica, deixou-te sair, apesar do pó na roupa e de não a teres terminado de tapar. respiras a terra impregnada nas narinas, sentas-te à sombra desse cheiro familiar. olhas para o trabalho por terminar e tomas o teu tempo, sacas ao ar o suor de tudo o que tens de trabalhar. aceitas que ainda há muito para fazer e pensas noutras raízes para plantar.
uma figueira, essa árvore que nunca conseguiste plantar e à qual gostarias de um dia debaixo meditar. sempre foste mais govinda que sidhartha. a máquina continua a fazer questão de to recordar.

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