Acho que tinha acabado de fazer nove anos quando a minha mãe foi trabalhar para o Centro de Dia. Do final da minha infância até ao princípio da minha vida adulta, já a residir em Valencia de Alcántara, acompanhei o trabalho da minha mãe. Ia com frequência buscar e levar os idosos a casa, depois duma jornada num centro que se tornara parte do seu dia-a-dia. A solidão era paliada, naquele rés-do-chão do Bairro da Sra. da Saúde, por gente capitaneada pela minha mãe. Perdemos muito em casa graças à boa samaritana que sempre foi a minha progenitora, essa é a verdade. Também é verdade que, se assim não tivesse sido, o centro à frente de casa, talvez hoje não visse o mundo como o vejo, nem o sentisse como sinto.
Ter visto a incontinência do tempo nesses idosos, fraldas e andarilhos antes de as ter mudado como pai, a mobilidade apoiada nos braços de tantas famílias divididas entre a gratidão, o amor filial, ou o peso de um bem-parecer duma estrutura familiar que não puderam escolher, para além de ter visto demasiados fins de vida a serem cobertos à pazada, fez de mim um órfão circunstancial de tantos avós que não me eram nada.
O medo foi constante. As aprendizagens também. A falta de maturidade notava-se no sofrimento que me causava ver lutos em roupas que não compreendia, em casas vazias de família e em velhotes tão bons para mim e visivelmente tão nefastos para os seus. Os meus verdadeiros avós eram a luz nesta minha idade entre a terceira idade. Foram tantos os nomes, os rostos, as mãos, o cheiro que adjectivam de velho.
A minha mãe, mesmo reformada nunca deixará o Centro de Dia, a sua vocação voluntária. A família continuará em casa, à espera que chegue. Eu, ande por onde ande, vou buscar muitas destas recordações a casa, ajudo-as a subir e a descer da carrinha das minhas lembranças. Ao final do dia, regressamos todos ao lar do que é possível...
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