52. Parece um número simples, pouco mais de meia centena. Porém, é o número de deputados eleitos que o partido de extrema-direita "Vox" vai ter no congresso espanhol.
Não votaria num partido com estas características, pois não me revejo nos seus princípios, nem acredito no que preconizam. Gente próxima a mim (com estatuto de família, mesmo) diz-me ver neste partido a única força política capaz de travar a desagregação do território espanhol e repor algum equilíbrio em leis tão necessárias, quanto injustas para o princípio de presunção de inocência, como a da actual violência de género. Entendo o que me diz e até reconheço lógica no que argumenta. Ao ter sido uma vítima, esta pessoa (este meu irmão), vê nesta atitude de "dar a cara", de recusar o políticamente correcto, por parte do "Vox" uma possível forma de se defender contra possíveis futuras injúrias. Quem nunca quis ser defendido pela força física do mais forte? A resposta está em nós e é tão primária quanto evidente, se não a envolvemos num véu de hipocrisia.
Não é que isso interesse muito, mas acabo de chegar de terra de fragas, da Beira Baixa raiana, onde me pude encontrar com Fernando Namora em Monsanto, durante um fim-de-semana em que uma lareira e uns livros me recordaram como a vida era, e ainda é, dura naquela região. O neo-realismo está esquecido e não será revisitado para além de "feeds" ou transmissões em directo pelas redes sociais para algumas sensibilidades especialmente atentas. Namora, um dos escritores mais traduzidos da língua portuguesa e candidato a um Nobel, é um retalho dessa cultura e dum humanismo de Portugal sem eco para além desses ermos pedregosos, onde um grupo de resistentes zela pela sua memória e evoca o seu centenário. Eu estive lá por mero acaso e não tenho o mais mínimo mérito. Não resisto e tenho pena de me ver facilmente derrotado por este presente. Recolho-me em casa e exponho-me relativamente pouco por aqui.
De volta a Badajoz, antes de saber os resultados das eleições, percorri vastos quilómetros de desolação com os meus filhos a dormirem no assento traseiro. Pouco depois de haver cruzado a ponte de Alcántara, já numa recta em direcção ao Sul, encontrámos uma vaca morta rodeada por dezenas de abutres. Era uma imagem digna de ser ver por ser tão natural quanto cruel. Parei o carro, contudo o ruído da porta fez com que as aves necrófagas se afastassem e que a objectiva lenta do meu telemóvel não captasse a real desolação, obturando apenas um levantar voo de um cenário, possivelmente sem crime, no entanto com um charolês a jazer morto no horizonte.
Não acredito em presságios, mas, como costuma dizer o meu pai, é raro enganar-me. Quando todos se riam, tive a certeza de Trump. Quando se começou a falar em Bolsonaro, vi onde chegaria. Quando surgiu o "Vox", ouvi como ecoariam no futuro. Aquela vaca era Espanha, a ser consumida por vários interesses que a deixarão em ossos e à torrina do sol. Os abutres afastaram-se de mim, não por medo, mas para dissimularem o que estavam a fazer e ficaram por perto, voltando ao festim, mal eu desaparecesse de cena. Por enquanto são claramente abutres, as suas sombras não enganam, mas em breve assumirão estatuto de águias imperiais.
A natureza do abutre eu entendo-a. A do homem, nem por isso. Esse é o motivo porque vou tomando estas notas, antes que se esfumem todas as minhas convicções. Talvez isso me assegure a sobrevivência duma humanidade que tanto receio em perder em prol desta natureza necrófaga...
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