- Papá, hoje, em educação física, estávamos a jogar frisbee e eu apanhei-o e, antes de lançar, pedi a Deus para me ajudar a marcar e marquei! - Disse-me, à hora do banho, enquanto lhes secava o cabelo, o meu mais velho.
- A sério, filho? - Pergunto meio aparvalhado, pois nem eu nem a minha mulher falamos de religião e muito menos nos pomos a falar de qualquer doutrina que vá para além do mundano.
Admito que já tenha feito algum comentário tipo «se Deus existe tem de estar aqui» ou o «se Deus quiser», essa expressão imposta pela educação e exemplo dos meus pais, especialmente da minha mãe. Por isso, confesso que pensei logo nela, que andou a dar catequese ao neto, como quando a minha avó morreu e lhe disse que tinha ido para o céu. Porém, a minha mãe não passa tempo suficiente com os netos para lhe transmitir qualquer crença e depressa essa ideia se desvaneceu do meu horizonte e perguntei-lhe:
- Ouve lá filho, quem é que te ensinou a pedir a Deus? Foi a avó?
A rápida resposta demonstrou que já não se lembra de qualquer ideia de céu para além daquilo que podemos contemplar desde a terra.
- Não papi, foi nos desenhos. Há um episódio do Doraemon em que o Nobita pede ajuda aos deuses animais para o ajudarem a defender-se do Gigante e do Tsuneo e eles ajudam-no! Os deuses têm forma de animais...
O irmão ouvia a conversa enrolado no toalhão de banho e o hábito do rádio na casa-de-banho, herdado do meu pai, acompanhava-nos com a voz da Bonnie Tyler.
- Ok filho! Então os deuses são elementos da natureza? Quem sabe se não é assim? Eu é que não sei o que te dizer...
Já com o cabelo seco e a pôr creme porque a pele desta infância (quem sabe de tanto banho) é atópica, pergunta-me porquê.
- Sabes que o papá nunca te mente. Esse é o nosso acordo, não mentimos um ao outro. Por isso não te posso dizer que Deus existe.
- Não existe papá? - Inquire-me sem frustração, algo que lhe invejo.
- Não sei filho. Como te disse que não te posso dizer que Deus existe, tampouco te posso dizer que não existe. Não sei, tens de descobrir tu, mas não te preocupes que tens tempo para isso. Eu, por exemplo, só tenho umas ligeiras suspeitas... De qualquer forma, tu se queres pedir ajuda a Deus, como o Nobita, pede. Mal não faz, mas lembra-te que, se marcares um golo ou um ponto, sai daqui. - E toquei-lhe com o indicador no peito ainda com restos de creme de aloe vera. Riu-se das cócegas e continuou a vestir-se para se ir refastelar na sala, a descansar um pouco da sua rotina de puto com atividades de quarta-feira e ver o Doraemon.
Que o Doraemon seja o catequista do meu filho não me aflige. Sei que não o vai doutrinar mais do que qualquer outro desenho animado deste tipo, inocente. Talvez um dia possamos falar abertamente sobre a fragilidade das minhas crenças, sobre o catolicismo em ruínas com a minha infância, sobre como ainda vou rezando um Pai-Nosso para não me esquecer que, como dizia o outro, mesmo que Deus não exista, é verdade, e ético, o que esta oração me pede.
Escrevo esta nota sem medo a ofender qualquer Altíssimo, algo que não faria na adolescência, tal não era o peso do pecado. Escrevo-a com honestidade. Para comigo. Para com Ele.
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