terça-feira, novembro 12, 2019

Divagação de caligrafia e abraços políticos...

Quando voltas a um prazer esquecido, custa abandoná-lo. A velha caneta de tinta permanente do meu pai, a verter tinta azul Parker pelo papel, tem-me acompanhado nas lides da caligrafia. O caderno preto que o diga. Não é de estranhar que o teclado do telemóvel, soletrado e com intromissão de escrita automática, anulem o deleite físico que reencontrei no acto de escrever.
Da necessidade da escrita, bem evidente no tom confessional, quiçá terapéutico, que não escondo no que para aqui vou publicando, o gosto pelo traço fino, pelo desenhar das letras, pelo ritual de encher a caneta bem antiga e herdada, tem tanto consolo que nem o facto de, caso o escrito for alguma coisa de jeito, ter de repassar a computador me faz abandonar essa reconquista.
Hoje não tive disponibilidade para praticar caligrafia. O dia passou a correr, o trabalho e os afazeres exigiram alguma escrita à mão, porém foram dominados pela informática. Os miúdos, especialmente o mais novo, acompanharam-me durante a maior parte da tarde. Eles são o melhor exemplo de a caligrafia ser uma arte, um ofício de beleza aprendido na infância e que, para aqueles que amam a palavra, não se pode abandonar nunca.
Ia escrever sobre como os políticos espanhóis se abraçaram em presidente e vicepresidente, como esse abraço já poderia ter sido dado para mostrar que os afectos (mesmo que fingidos e só por dever de Estado) evitam extremismos e promovem mais abraços. Peca por tardio e alguma estupidez. Eu, que até gosto de abraçar gente, não os abraçaria. Prefiro aplaudir um gesto de um político, com o qual não tenho a mais mínima afinidade ideológica, que decide demitir-se porque não esteve à altura das circunstâncias. Ponto final. Sem abraços, contudo com algum respeito pela inteligência dos cidadãos de Espanha.
O acordo para formar governo não sei com que canetas foi assinado. Gostava que o compromisso fosse sério e verdadeiramente institucional, mais ou menos como num matrimónio onde ambas partes têm de ceder, dar espaço e respeitar o conjúgue. Amar já é pedir de mais, fiquem-se pelos abraços e deixem-me dedicar-me à minha caligrafia.

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