Sento-me aqui nesta linha e recordo.
quinta-feira, março 27, 2014
Diário I: A minha aparição, nesta linha onde o Bexiguinhas matou aquela galinha.
Sento-me aqui nesta linha e recordo.
quarta-feira, março 26, 2014
ABRIL por Luis Leal (artigo para "Moñino Times", 2014)

quinta-feira, março 20, 2014
segunda-feira, março 17, 2014
El reloj de la biblioteca
Definição de lirismo
sexta-feira, março 14, 2014
Dois cacófatos numa quadra brasileira
quinta-feira, março 13, 2014
domingo, março 09, 2014
sexta-feira, fevereiro 28, 2014
domingo, fevereiro 23, 2014
Um desenho de Paulo Ito
sábado, fevereiro 22, 2014
Câmeras fotográficas antigas #2: 1880-1900
Obvious (tem também o primeiro artigo)
sexta-feira, fevereiro 21, 2014
A uma quadrada pedra que apanhei e me acompanha no caminho...
quinta-feira, fevereiro 20, 2014
Carta ao Pai (Fernado Tordo)
Seguem-se as linhas que o escritor João Tordo dedicou em carta ao seu pai, o músico Fernando Tordo, que aos 65 anos, emigrou para o Brasil.
" Ontem, o meu pai foi-se embora. Não vem e já volta; emigrou para o Recife e deixou este país, onde nasceu e onde viveu durante 65 anos.
A sua reforma seria, por cá, de duzentos e poucos euros, mais uma pequena reforma da Sociedade Portuguesa de Autores que tem servido, durante os últimos anos, para pagar o carro onde se deslocava por Lisboa e para os concertos que foi dando pelo país. Nesses concertos teve salas cheias, meio cheias e, por vezes, quase vazias; fê-lo sempre (era o seu trabalho) com um sorriso nos lábios e boa disposição, ganhando à bilheteira.
Ontem, quando me deitei, senti-me triste. E, ao mesmo tempo, senti-me feliz. Triste, porque o mais normal é que os filhos emigrem e não os pais (mas talvez Portugal tenha sido capaz, nos últimos anos, de conseguir baralhar essa tendência). Feliz, porque admiro-lhe a coragem de começar outra vez num país que quase desconhece (e onde quase o desconhecem), partindo animado pelas coisas novas que irá encontrar.
Tudo isto são coisas pessoais que não interessam a ninguém, excepto à família do senhor Tordo. Acontece que o meu pai, quer se goste ou não da música que fez, foi uma figura conhecida desde muito novo e, portanto, a sua partida, que ele se limitou a anunciar no Facebook, onde mantinha contacto regular com os amigos e admiradores, acabou por se tornar mediática. E é essa a razão pela qual escrevo: porque, quase sem o querer, li alguns dos comentários à sua partida.
Muita gente se despediu com palavras de encorajamento. Outros, contudo, mandaram-no para Cuba. Ou para a Coreia do Norte. Ou disseram que já devia ter emigrado há muito. Que só faz falta quem cá está. Chamam-lhe palavrões dos duros. Associam-no à política, de que se dissociou activamente há décadas (enquanto lá esteve contribuiu, à sua modesta maneira, com outros músicos, escritores, cineastas e artistas, para a libertação de um povo). E perguntaram o que iria fazer: limpar WC e cozinhas? Usufruir da reforma dourada? Agarrar um "tacho" proporcionado pelos "amiguinhos"? Houve até um que, com ironia insuspeita, lhe pediu que "deixasse cá a reforma". Os duzentos e tal euros.
Eu entendo o desamor. Sempre o entendi; é natural, ainda mais natural quando vivemos como vivemos e onde vivemos e com as dificuldades por que passamos. O que eu não entendo é o ódio. O meu pai, que é uma pessoa cheia de defeitos como todos nós – e como todos os autores destes singelos insultos –, fez aquilo que lhe restava fazer.
Quer se queira, quer não, ele faz parte da história da música em Portugal. Sozinho, ou com Ary dos Santos, ou para algumas das vozes mais apreciadas do público de hoje – Carminho, Carlos do Carmo, Mariza, são incontáveis –, fez alguns dos temas que irão perdurar enquanto nos for permitido ouvir música.
Pouco importa quem é o homem; isso fica reservado para a intimidade de quem o conhece. Eu conheço-o: é um tipo simpático e cheio de humor, que está bem com a vida e que, ontem, partiu com uma mala às costas e uma guitarra na mão, aos 65 anos, cansado deste país onde, mais cedo do que tarde, aqueles que o mandam para Cuba, a Coreia do Norte ou limpar WC e cozinhas encontrarão, finalmente, a terra prometida: um lugar onde nada restará senão os reality shows da televisão, as telenovelas e a vergonha.
Os nossos governantes têm-se preparado para anunciar, contentíssimos, que a crise acabou, esquecendo-se de dizer tudo o que acabou com ela. A primeira coisa foi a cultura, que é o património de um país. A segunda foi a felicidade, que está ausente dos rostos de quem anda na rua todos os dias. A terceira foi a esperança. E a quarta foi o meu pai, e outros como ele, que se recusam a ser governados por gente que fez tudo para dar cabo deste país – do país que ele, e milhões de pessoas como ele, cheias de defeitos, quiseram construir: um país melhor para os filhos e para os netos. Fracassaram nesse propósito; enganaram-se ao pensarem que podíamos mudar.
Não queremos mudar. Queremos esta miséria, admitimo-la, deixamos passar. E alguns de nós até aí estão para insultar, do conforto dos seus sofás, quem, por não ter trabalho aqui – e precisar de trabalhar para, aos 65 anos, não se transformar num fantasma ou num pedinte –, pegou nas malas e numa guitarra e se foi embora."
João Tordo
in PÚBLICO, 19/02/2014
terça-feira, fevereiro 18, 2014
Amor
domingo, fevereiro 09, 2014
segunda-feira, fevereiro 03, 2014
Uma questão de costumes (Fernando Campos)
Drummond e O'Neill
JANELA
Tarde dominga tarde
pacificada como os atos definitivos.
Algumas folhas de amendoeira expiram em degradado vermelho.
Outras estão apenas nascendo,
verde polido onde a luz estala.
O tronco é o mesmo
e todas as folhas são a mesma antiga
folha
a brotar de seu fim
enquanto roazmente
a vida, sem contraste, me destrói.
Carlos Drummond de Andrade
Lição de coisas (1965)
Ainda prefiro os bonecos de cachaporra,
contundentes, contundidos, esmocados,
com vozes de cana rachada e um toma toma toma
de quem não usa a moca para coçar os piolhos,
mas para rachar as cabeças.
O padreca, o diabo, a criadita,
o tarata, a velha alcoviteira, o galã
e, às vezes, um verdadeiro rato branco trapezista,
tramavam para nós a estafada estória
da nossa própria vida.
Mundo de pasta e de trapo
que armava barraca em qualquer canto
e sem contemplações pela moral de classe
nem as subtilezas de quem fica ileso
desancava os maus e beijocava os bons.
Ainda prefiro os bonecos de cachaporra.
Ainda hoje esbracejo e me esganiço como esses
matraquilhos da comédia humana.
Alexandre O'Neill
A saca de orelhas (1979)
quarta-feira, janeiro 22, 2014
O mau uso da lei da gravidade - Gonçalo M. Tavares
domingo, janeiro 19, 2014
Olho (Escher)
segunda-feira, janeiro 13, 2014
domingo, janeiro 12, 2014
"Especulações Escatológicas" Dois poemas de Augusto Gil
sexta-feira, janeiro 10, 2014
Beneficios de la bicicleta
segunda-feira, dezembro 16, 2013
segunda-feira, dezembro 09, 2013
domingo, dezembro 08, 2013
sábado, novembro 30, 2013
Do blogue 'Bianda'
Naia: Pai, hoje começamos a aprender os ordinais: sexagésimo, septuagésimo, octogésimo..
Eu: Uau, consegues até dizer essas palavras todas de enfiada!...
Naia: É, a professora disse que são palavrões, mas palavrões que podemos dizer - tratou de pontuar.
Eu (com súbito interesse): Ah é? E que palavrões que não podem dizer?
Naia: Mas não posso dizer!!..Mas tu dizes, papá, quando estás chateado..Dizes muito um que começa com P e termina com A.
Eu: Ah é, digo tanto assim? Hmm...E que outros conheces?
Naia (com um sorrisão): conheço um que está em "computador"
AHAHAHAHAHAH (Saiu-me uma gargalhada dessas do fundo do poço!)
Eu (com acrescentado interesse): Que mais?
Naia: Tem um que começa com M e termina com A
Eu (apavorado com a direção da conversa / mantendo a pose de cool)
Naia:...Acho que só conheço esses 3... (ela deve ter lido uma prisão de ventre repentina na minha cara e saiu com esse tranquilizante)
Eu (fingindo autoridade): Mas diz-me, onde se aprende isso tudo?
Naia: Ora, os meus colegas dizem palavrões a toda hora!..(a safadinha se safou)
Blogue Bianda (pub. 13.11.13)
sexta-feira, novembro 22, 2013
O rapaz da camisola verde (Pedro Homem de Mello)
O rapaz da camisola verde
De mãos nos bolso e de olhar distante,
Jeito de marinheiro ou de soldado,
Era um rapaz de camisola verde,
Negra madeixa ao vento,
Boina maruja ao lado.
Perguntei-lhe quem era e ele me disse
“Sou do monte, Senhor, e um seu criado”.
Pobre rapaz de camisola verde,
Negra madeixa ao vento,
Boina maruja ao lado.
Porque me assaltam turvos pensamentos?
Na minha frente estava um condenado.
Vai-te, rapaz da camisola verde,
Negra madeixa ao vento,
Boina maruja ao lado.
Ouvindo-me, quedou-se o bravo moço,
Indiferente à raiva do meu brado,
E ali ficou de camisola verde,
Negra madeixa ao vento,
Boina maruja ao lado.
Soube depois ali que se perdera
Esse que só eu pudera ter salvado.
Ai do rapaz da camisola verde,
Negra madeixa ao vento,
Boina maruja ao lado.
Ai do rapaz da camisola verde,
Negra madeixa ao vento,
Boina maruja ao lado.
Negra madeixa ao vento,
Boina maruja ao lado.
Pedro Homem de Melo
(Mais dados em Santa Nostalgia)
terça-feira, novembro 19, 2013
segunda-feira, novembro 18, 2013
Auto-retrato (Alexandre O'Neill)
AUTO-RETRATO
"O'Neill (Alexandre), moreno português,
cabelo asa de corvo; da angustia da cara,
nariguete que sobrepuja de través
a ferida desdenhosa e não cicatrizada.
Se a visagem de tal sujeito é o que vês
(omite-se o olho triste e a testa iluminada)
o retrato moral também tem os seus quês
(aqui, uma pequena frase censurada …)
No amor? No amor crê (ou não fosse ele O'Neill)
e tem a veleidade de o saber fazer
(pois amor não há feito) das maneiras mil
que são a semovente estátua do prazer.
Mas sofre de ternura, bebe de mais e ri-se
do que neste soneto sobre si mesmo disse ..."
sábado, novembro 16, 2013
Silhuetas (Eduardo Hanazaki)
quarta-feira, novembro 13, 2013
Segundo balcão dos bombeiros (Fernando Assis Pacheco)
Nesse tempo eu já lera as Brontë mas
como era um adolescente retardado
passava a noite em atrozes dilemas
que mais vale: amar, ser doutrem amado?
ainda não descobrira o simples disto
nem o essencial disto que é tão claro
se tudo no amor vem do imprevisto
deitar regras ao jogo pode sair caro
por isso eu amo e sou ou não benquisto
depende do instante bem ou mal azado
amor tem alegria, tem enfaro
o happy end é coisa dos cinemas
Fernando Assis Pacheco
(Em Arlindo Correia)
domingo, novembro 10, 2013
Ofício de amar (Al Berto)
OFÍCIO DE AMAR
tenho a companhia nocturna dos animais e a peste
tenho o grão doente das cidades erguidas no princípio
de outras galáxias, e o remorso
um dia pressenti a música estelar das pedras
abandonei-me ao silencio.....
é lentíssimo este amor progredindo com o bater do coração
não, não preciso mais de mim
possuo a doença dos espaços incomensuráveis
e os secretos poços dos nómadas
ascendo ao conhecimento pleno do meu deserto
deixei de estar disponível, perdoa-me
se cultivo regularmente a saudade do meu próprio corpo
Al Berto
quarta-feira, novembro 06, 2013
LISBOA-1971 (Jorge de Sena)
segunda-feira, novembro 04, 2013
"Vivia no mundo das nuvens..." (Daniel Cramer)
domingo, novembro 03, 2013
"MORTE? Mas eu preciso fazer muita coisa ainda!"
Fabiano Alvez
quinta-feira, outubro 31, 2013
no dia de todos os mortos
segunda-feira, outubro 28, 2013
Maria dos mil sorrisos (Vitorino)
Maria dos mil sorrisos
Alma ao largo sem avisos
Coração a dar a dar
Lua nova em céu mortiço
te proteja do enguiço
e das fúrias d´além mar
Na rua onde tu passas
Mandei embora as desgraças
Num copinho de licor
No mistério da tua porta
encontrei morada certa
P´ra dar de beber à dor
Se me deres o teu retrato
Dou-te o meu lenço bordado
Com a flor do laranjal
Anda agora muito em moda
Trança negra rubra rosa
Rebuçados no amar
Maria não vás ao beco
Está cheio de figas e medos
Vê lá bem os meus cuidados
Dos teus olhos estou lembrado
Num dia no Bairro Alto
Seus amores tão delicados
domingo, outubro 27, 2013
.o voraz mercado
à parede encostada a puta segura um intervalo

sábado, outubro 26, 2013
Olha o bom exemplo da menina...
quinta-feira, outubro 24, 2013
Apresentação da Noite - Al Berto
Mata-me
quarta-feira, outubro 23, 2013
Elegía a la fotografía de una muchacha desconocida (José María Valverde)
Tendrías quince años cuando quedaste inmóvil
aquí, en la cartulina de suavísima niebla.
Te vuelves a mirarnos -con unos ojos negros,
dulces, hondos y frescos como grutas-
desde el escorzo grácil de tu cuerpo.
Dime, ¿de dónde viene tu mirada?
Habla de cosas dulces y pequeñas,
de tu vida, tu casa,
tu piso, bosque umbroso de sueños y recuerdos,
-tú eres la cierva blanca en su espesura-,
el balcón donde ves pasar las nubes,
los viejos y borrosos retratos de la sala,
las butacas de verde terciopelo gastado,
el piano, negro, mudo, con ecos, -como un pozo-,
y el bullir y las voces, apagadas
y vagas, de la sombra en los rincones...
(¡Ay tus sueños de niña!
¡Cómo están en el fondo de tus ojos
muriendo dulcemente!
Estrenabas la vida;
aquel día morías y nacías.
Y aquí, en este retrato,
frente al blanco camino,
dejaste tu niñez en la mirada.)
Esa luz que ha quedado contigo prisionera
en tu clara laguna,
es la luz que conservan
las cosas de la abuela puestas en la vitrina.
Ya te habrás olvidado. ¡Qué muerta estás aquí!
¿Dónde estarás ahora?
...Días, calles, olvidos, amores y tristezas,
relojes, calendarios, trajes, cuerpos, ventanas,
tejas, lluvias, tarjetas, zapatos ya gastados,
tranvías, ruedas, nubes, sueños, tardes, mañanas,
inviernos y veranos, rosas secas, revistas,
muertos, libros, silencios, músicas, risas, llantos,
arroyos y caminos, montañas, bosques, mares,
y un montón de minutos iguales como arenas
me separan de ti.
Pero en mi orilla queda tu retrato olvidado.
...Tendrías quince años. Yo, entonces, estaría
paseando mis sueños de niño no sé dónde.
¿Dónde estarás ahora?
Oh muchahca lejana que quizá hubiera amado
de no ser por el tiempo, el tiempo... siempre el tiempo...
José María Valverde
Publicada por primera vez en «Entregas de Poesía» n° 14, 1945
Más poemas de Valverde.
terça-feira, outubro 22, 2013
segunda-feira, outubro 21, 2013
ORACIÓN POR NOSOTROS LOS POETAS - José Maria Valverde
Mira, nada tenemos, ni aun nuestra propia vida;
somos los mensajeros de algo que no entendemos.
Nuestro cuerpo lo quema una llama celeste;
si miramos, es sólo para verterlo en voz.
para que sea nuestra y nada más que nuestra,
ni tendernos tranquilos en medio de las cosas,
sin pensar, a gozarlas en su presencia sólo.
Nunca sabremos cómo son de verdad las tardes,
libre de nuestra angustia su desnuda belleza;
jamás conoceremos lo que es una mujer
en sus profundos bosques donde hay que entrar callado.
Tú no nos das el mundo para que lo gocemos,
Tú nos lo entregas para que lo hagamos palabra.
Y después que la tierra tiene voz por nosotros
nos quedamos sin ella, con sólo el alma grande…
igual que por las piedras lo es el cristal del río.
Tú no has hecho tu obra para hundirla en silencio,
en el silencio huyente de la gente afanosa;
para vivirla sólo, sin pararse a mirarla…
Por eso nos has puesto a un lado del camino
con el único oficio de gritar asombrados.
En nosotros descansa la prisa de los hombres.
Porque, si no existiéramos, ¿para qué tantas cosas
inútiles y bellas como Dios ha creado,
tantos ocasos rojos, y tanto árbol sin fruta,
y tanta flor, y tanto pájaro vagabundo?
Solamente nosotros sentimos tu regalo
y te lo agradecemos en éxtasis de gritos.
Tú sonríes, Señor, sintiéndote pagado
con nuestro aplastamiento de asombro y maravilla.
Sólo quien nos ha hecho puede así destruirnos
en brazos de una llama tan cruel y magnífica.
guarda en la muerte nuestros cansados corazones;
dales paz, esa paz que en vida les negaste,
bórrales el doliente pensamiento sin tregua.
Tú nos darás en Ti el Todo que buscamos;
nos darás a nosotros mismos, pues te tendremos
para nosotros solos, y no para cantarte.
domingo, outubro 20, 2013
De repente acordas
O Irreal Quotidiano (José Gomes Ferreira)
domingo, outubro 13, 2013
A ti, José Maria Valverde
Para ti os poetas eram sacerdotes da palavra,
Almas a jeito que Deus as escolhesse a dedo,
Para viverem o purgatório na terra,
O purgatório no purgatório
E o inferno na alma...
Tudo porque, José Maria,
Homem de Deus, da santíssima trindade e da tua e sua mãe,
Existe a beleza e o coração do poeta, ao contráriomdo que canta a canção,
É pequeno e almeja guardar a beleza como outro qualquer coração.
Não existe nada de santo nisso. Apenas falta de espaço.
O poeta tem um mini, um citadino e o homem alheio a verso, rimas e compassos
Tem uma enorme mala que dá perfeitamente para trazer as compras do mês e ainda levar a bicicleta no tejadilho.
Essa, José Maria, da terra nossa comum, é "la enseñanza de la edad".
Passagem por sublinhar, sublimar.
Passei pela vida sem usar bloco de notas.
Nunca tive um instante de instantânea,
Nem obturei momentos kodak, polaroid, agfa ou fugi
De ser emoldurado para a posteridade de parede,
Ou da orgulhosa camilha da avó?
Nunca me enrruguei ou amareleci na estante. Amanheci com o sol
Que talvez pudessem ser amarelo fluorescente para sublinhar, sublimar,
Que a vida, tal como o rei dos astros, também tem nascente e poente.
Nunca me dobrei, a não ser a esquina de página,
Para marcar um encontro com um amigo, com um amor,
Com a dor de costas que teima em encurvar-te...
A desumanizar-te com o afã do sucesso da máquina.
Deixei, ao menos, que me metessem recortes de jornais,
Artigos e matérias inúteis que me engordaram como o arroz doce que nunca é demais...
Não estou riscado, ainda tenho o papel pegado, como todo o bom livro que não foi profanado
Mas anda de lado para lado, a presumir deixar algum legado,
Esse sou eu. Fui eu.
Estou enterrado.
Pouco vivi.
Mas abracei
E fui abraçado.
sábado, outubro 12, 2013
Velho Colono (Rui Knopfli)
(Fotografia no blogue cabeça no ar ou ar na cabeça)
Velho Colono
Sentado no banco cinzento
entre as alamedas sombreadas do parque.
Ali sentado só, àquela hora da tardinha,
ele e o tempo. O passado certamente,
que o futuro causa arrepios de inquietação.
Pois se tem o ar de ser já tão curto,
o futuro. Sós, ele e o passado,
os dois ali sentados no banco de cimento.
Há pássaros chilreando no arvoredo,
certamente. E, nas sombras mais densas
e frescas, namorados que se beijam
e se acariciam febrilmente. E crianças
rolando na relva e rindo tontamente.
Em redor há todo o mundo e a vida.
Ali está ele, ele e o passado,
sentados os dois no banco de frio cimento.
Ele a sombra e a névoa do olhar.
Ele, a bronquite e o latejar cansado
das artérias. Em volta os beijos húmidos,
as frescas gargalhadas, tintas de Outono
próximo na folhagem e o tempo.
O tempo que cada qual, a seu modo,
vai aproveitando.
Rui Knopfli