Grande
parte do que escrevo não dorme. Levanta-se da cama, de chinelos
silenciosos, para um papel de insónia que acaba por deitar-se antes
em lençóis de recordações, alguns bem amarrotados e de uma cama
mal feita. Sinto falta de dormir em lençóis passados a ferro e
lisos de odores de recém-feito.
Não
durmo. Num berço um filho aprende a rotina nocturna. De momento,
mal. Acorda, em oito meses, várias vezes por noite e eu, peito
paterno, não o acalmo. Exige-se o amor de mãe em cansaço. E como é
grande... O meu, esse, pura empatia ou pura inutilidade. Talvez se a
necessidade a isso obrigasse, noites de pai e filho, adaptar-se-iam
uma à outra, noites toscas e indiferentes ao choro mas presentes na
segurança do que zela aquele que cresce.
Não
durmo. Tenho dificuldade em dormir e escrevo mal para quem tem
dezenas de apontamentos por concluir, por trabalhar, e que os tem aí,
como este bebé, a acordar quase de hora a hora para mamar e
sentir-se insatisfeito.
Não
durmo. Mas escrevo. Um diário acordado. Realista de que a insónia é
uma guerra perdida na almofada. Esvaem-se os pensamentos como plumas
ao vento e, para quem se atreve a contemplá-los, é uma pena…
Tento agarrá-los. Alguns ficam outros não. Lêem-se outros até que
te acusam de iluminar a cama com o frontal da literatura nos dois
dedos de testa em que se apoiam. Este pensamento está a abrir a
boca. Será que escrevo para dormir? Ou não durmo para escrever?
Os
defensores de que a morte é o eterno sono e derradeiro desterro, do
qual não nos levantaremos para escrever, têm um argumento de peso.
Até os entendo. Talvez o génio seja imune a isso. O meu génio
trabalha com isenção de horário e fica rabugento, com mau génio.
Vale-lhe o café, apolíneo prazer, de quem tem olheiras góticas,
odeia o romantismo e sente que a cabeça pede coisas ao corpo
enquanto sabe que este lhas pode dar.
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