Estou para aqui a pensar como
é que me devo dirigir aos meus caríssimos leitores. Por você ou por tu? Tive
uma educação que me fez herdar o respeito formal por quem não conheço em
pessoa. Talvez por você? Mas ao estar para aqui cronicando em quase
confidências íntimas, em divagações só permitidas a amigos, talvez o uso do tu
não fosse despropositado...
A sociedade espanhola, na qual
me insiro e educo os meus filhos, tem vindo a derrubar o muro que existe entre
o uso da terceira pessoa e da segunda do singular. O “tuteo”, resume-se assim o
tratar por tu, impera nas relações sociais do país vizinho. Não é que o lado
mais formal não exista, o seu uso é apanágio de certas idades e tipos de
educação, mas, ainda assim, reafirmo o uso massivo do tu no quotidiano de
Espanha. Só há que ver os recentes debates entre os candidatos ao governo
espanhol, Mariano Rajoy (melhor, Soraya de Sáenz Santamaría!), Pedro Sánchez,
Pablo Iglesias e Albert Rivera que se “tutearon” para a posteridade, algo até
então nunca visto em debates do género.
Há quem chame a estes
detalhes, mundanos e enormemente significativos para um colectivo feito nação,
de “código cultural”. Isto é, existe uma codificação sociocultural oculta no
uso contextualizado duma língua.
Com frequência, lembro-me do
“vossemecê”, herança do latifúndio, que a minha avó usava. Só mais tarde me
apercebi que Abril não libertara totalmente o meu Alentejo e os seus santos
inocentes dessa estrutura feudal, de boina servil apertada contra o peito,
continuando à mercê terratenente.
Cedo me inculcaram a diferença
entre um “tu” e um “você”. Até mesmo o subgénero do “você”, nasalado,
super-loiro e tio, propagado da linha de Cascais até aos confins do país,
cumprimentando só com o som de uma bochecha, algo tão diferente do “você”
omitido ou substituído por “senhor” ou “senhora” que me fora respeitosamente
ensinado a usar.
Como Antonio Machado, a vida
deu-me uma infância num pátio de um bairro. Ainda hoje em Évora se conhece por
bairro do “moinho do cu torto”. Há humor no nome e houve felicidade nos meus
verdes anos. A par do bairro da Srª. da Saúde, no “moinho do cu torto”, em
presença dos meus avós e vizinhos, fui menino e moço.
Escusado será dizer que um
gaiato no Alentejo, para que tenha uma infância como Deus manda, será sempre
tratado por tu! Eu não fui excepção. Curioso foi terminar os meus estudos, cujo
diploma resume em licenciatura, e ver, de um dia para o outro, gente que andou
comigo ao colo, que me viu de joelhos esfolados, calções sujos e nariz ranhoso,
começar a tratar-me por doutor ou usar um reverente pronome de terceira pessoa.
Jamais permitirei a alguém que
me viu crescer e é do meu bairro (do meu pátio!) tratar-me de semelhante forma!
Sou o Luís. Se alguém tem de manter esse código cultural que a idade impôs sou
eu! Desde quando é que o carrasco faz sombra à azinheira centenária?
Sou consciente do respeito que
me impõe a tradição dum montado assim, mas, também, desse lado da fronteira,
onde falo e sou português, sem o mais mínimo tipo de cumplicidade, relação
etária ou confiança, várias vezes me trataram por esse “tu” estranho, nada
simpático e amistoso, que nos relega, numa forma de tratamento, para algo de
insignificância e desprezo… Já eu, recorro à defesa pessoal, um judo
linguístico, e agarro nesse “tu” à má fila e replico-o com igual assertividade.
Geralmente converte-se num “você” de olhos nos olhos, horizontal, como devem de
ser as relações humanas.
Como com o exemplo se predica
melhor, e com o exemplo que aprendi dos meus pais, respondo à questão com que
iniciei esta crónica fazendo ao meu estimado leitor outra questão. Como já nos
vamos conhecendo, não se importa que nos tratemos por tu?
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