Sou neto de um analfabeto. Sou filho de pais pouco letrados. Talvez por estes motivos a leitura se impôs como um escape à minha condição filial, à evasão de uma adolescência numa cidade do interior português, à minha ânsia de encontrar respostas para as perguntas às quais constantemente me inquiro.
Apesar de tantas vezes ter pensado e valorizado a sorte de não assinar discriminado com o indicador ou o polegar, nunca tinha assistido à mais pura liberdade de juntar sílabas para entender e grafar o pensamento.
Vejo isso no meu filho. Vejo isso na vontade que tem de aprender a ler para conhecer mais e entender mais o que o rodeia.
Para tanto conhecimento de academia, por vezes um pouco de nariz empinado, estes bicos dos pés curiosos a espreitarem o mundo, a investigarem apenas com o empirismo sem vícios, têm tanto para nos ensinar e não o podemos encontrar em nenhum artigo científico.
Eu fico fascinado. Aproveito e, sem que ele note, um dia dir-lhe-ei, continuo a ser o mesmo menino neto de analfabetos. A única diferença entre nós é que junto sílabas e formo palavras com manias de adulto. Ele é um texto livre da pontuação que o tempo me impôs. Mas o tempo também me humildou o suficiente para nunca esquecer que as raízes fortes não necessitam de letras. Necessitam de amor, mesmo que esse amor tenha de assinar com o dedo húmido de tinta numa esponja administrativa selar-se-á para sempre numa infância feliz, sem letras, sem vergonha do seu passado iletrado.
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