Não sou capaz de ignorar a tristeza de quem perdeu alguém. Escrevo-o ao acabar de ler uns versos de um grande poeta, desses que jamais conheceu editora, dedicados à ausência da sua esposa e ficaram-me a latejar no peito.
O meu coração bombeia-me vida mas, desde há quase duas décadas, bate compassado com outro coração, o da minha mulher. Ser quem sou, sem ter quem tenho a meu lado, seria matéria de ficção, de planos hipotéticos.
Até como artesão, destas lides mais alfabetizadas do que as dos meus antepassados, a presença da mãe dos meus filhos é determinante. Não escrevo para ela, escrevo com ela a meu lado. Claro que muitos desses escritos acabam por ser para ela e não redigisse os meus dias com o horizonte azul do seu olhar alinhado com o meu. Isso tranquiliza-me. Porém, no fundo dos meus olhos, lá desde a remota infância, sempre soube que a minha eternidade acaba no abismo da consciência.
Nunca estarei à altura do que sinto porque não o sei demonstrar. Como não consigo, caio no exagero, na repetição, na lamechice ou caio no silêncio, abraçado à sua presença, a sua mão na minha, mãos que dispensaram alianças porque preferiram lançar-se ao chão, criar raízes com os dedos. Daí brotaram flores, árvores e crianças constantemente com as unhas sujas de terra dos sonhos dos seus pais.
Não sou um homem interessante para este presente. Sei que o meu compromisso com a arte não pode gerar novelas à Chagas Freitas, à Minh'alma ou fazer sombras a um Grey. Os poucos versos que vou vertendo carecem de erotização para o subconsciente e em nada são explícitos, para além de serem de um homem leal à mulher e ao apelido.
Por isso cada vez mais me lembro das palavras de Miguel Delibes ao recordar-nos ser um homem de fidelidades, sendo uma delas a sua esposa. Também eu, neste presente em que ninguém se consagra a nada, sou um homem fiel à sua mulher.
Como o poeta açoriano, inevitavelmente, conhecerei, conheceremos o fim. Se o pudesse escolher, que fosse de mãos dadas, no final de uma vida plena, num desses momentos em que não encontro lamechice suficiente para lhe dizer como a amo e opto por abandonar as palavras.
Talvez assim a dor não seja tão desgarradora e as lágrimas não desagúem em mares de tristeza e solidão para quem sempre foi fiel a embarcações para dois.
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