Tudo lhe parece natural. A falar ao balcão do bar, a infusão ocupa o recipiente do passado alcoólico. Um chá de tília, parece-me ver na etiqueta pendurada da chávena e um pouco húmida com gotas da colher que dispensa açúcar.
Tudo lhe parece natural. Nascer, brincar, amar, procriar, perder-se, suicidar-se ou morrer em redundâncias.
Para quê enfatizar momentos? Há quem resista, esperneie até ao fim. E há quem não tenha paciência. Por um ponto final evita vírgulas desnecessárias e perigosas, como aquelas que separam estupidamente o sujeito do verbo.
Tudo lhe parece normal. Tem 70 anos e sabe que vai morrer. Quando? Não tem vontade de saber e não parece preocupado.
Na vida e na arte, tudo lhe parece natural.
Eu sento-me a décadas de distância e vislumbro uma obra-prima das que verdadeiramente me fascinam. Há quem queira a recordação e o reconhecimento. Ele só quer fazer parte do que considera natural, pois a sua "Natureza" não tem memória. Prima pelo esquecimento e ele assume-o como obra, como legado invisível. A sua verdadeira obra-prima é dissolver a sua presença no tempo que viveu... e ainda vai vivendo.
Também me parece natural. E belo. Este homem a beber chá no bar do seu passado etílico é a prova de que o olvido é o sítio natural para o verdadeiro artista habitar.
Sem comentários:
Enviar um comentário