quinta-feira, maio 29, 2008

Sem título - Sebastião da Gama

Conheço pouco acerca deste grande poeta e pedagogo. Para dizer a verdade, creio que li algo dos seus diários, mas onde, sinceramente não me recordo. Comecei a reparar um pouco mais na sua breve existência quando me iniciei nas lides do mergulho, quando conheci a Arrábida e os seus encantos, deixando-me submergir à sua vontade.
Hoje, em busca de materiais líricos para um projecto, encalhei no Sebastião e, em sua memória, publico este seu poema e uma fotografia de uma das poucas fortificações filipinas existentes em território luso.
Talvez muitos de vós, vos identificais com as suas palavras, no meu caso, creio que os tempos mudaram… como eu gostava que o mundo tivesse ignorantes deste tipo.

Nasci p'ra ser ignorante

Mas os parentes teimaram

(e dali não arrancaram)

em fazer de mim estudante.

Que remédio? Obedeci.

Há já três lustros que estudo.

Aprender, aprendi tudo,

mas tudo desaprendi.

Perdi o nome às Estrelas,

aos nossos rios e aos de fora.

Confundo fauna com flora.

Atrapalham-me as parcelas.

Mas passo dias inteiros

a ver um rio passar.

Com aves e ondas do Mar

tenho amores verdadeiros.

Rebrilha sempre uma Estrela

por sobre o meu parapeito;

pois não sou eu que me deito

sem ter falado com ela.

Conheço mais de mil flores.

Elas conhecem-me a mim.

Só não sei como em latim

as crismaram os doutores.

No entanto sou promovido,

mal haja lugar aberto,

a mestre: julgam-me esperto,

inteligente e sabido.

O pior é se um director

espreita p'la fechadura:

lá se vai licenciatura

se ouve as lições do doutor.

Lá se vai o ordenado

de tuta e meia por mês,

Lá fico eu de uma vez

um Poeta desempregado.

Se me não lograr o fado,

porém, com tais directores,

e de rios, aves e flores

somente for vigiado.

Enquanto as aulas correrem

não sentirei calafrios,

que flores, aves e rios

ignorante é que me querem.


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