O trabalho do campo é duro e qualquer pessoa que tenha noção de várias
vidas laborais além das que no seu dia-a-dia exerce deve concordar
comigo.
A minha manhã começou bem cedo, ver o sol nascer é sempre uma maravilha, e
esperava-me uns metros de cerca ovelheira, arame farpado dissuasório de
focinhos intrometidos e bastantes estacas ressequidas no meio do matagal
rasteiro do Agosto alentejano.
Munido de alicate de corte (estúpido deixei o universal em casa que tanta
falta me fez), chave de fenda, martelo de orelhas (as quais não resistiram nem
a um dia de labuta) e algumas coisas, tipo cordéis e elásticos, para
desenrascar, meti mãos à obra.
Pouco a pouco, fui entrando na rotina de arrancar grampos, cortar arame,
enrolar as velhas cercas e reciclar o arame farpado. A tarefa exigia movimento
constante numa solidão que nem minimizei com o rádio ou música do telemóvel,
uma vez que até tinha posto os auriculares no bolso da camisa. Dei por mim a
pensar em coisas estúpidas, incertezas, medos de que o outro, o que está fora
da minha cerca, me invadisse com más intenções. Receios que o que tenho
recolhido, criado aqui dentro, sem essa barreira fugisse para longe de
mim.
Estava desconfortável, não com o trabalho duro, com as mãos e antebraços
picados e arranhados, sim com a solidão dos meus pensamentos.
Mas, por mais "new age", "couching" ou sabedoria
proverbial de livro de auto-ajuda pareça, os pensamentos são as flores do nosso
jardim. A nossa tarefa de jardineiros é escolher o tipo de flora que por lá
queremos ver a propagar-se. A fotossíntese com a cara ao sol e os sentidos
cientes dos elementos, ajuda-me a minimizar o que hoje por lá plantei.
A rodar pelo terreno acima, lembrei-me do mito de Sísifo e de quando o
conheci e entendi o que talvez significasse. Não quero ser arrogante e dizer
que o entendo, quando o que sinto é compaixão. Hoje rebolei rede ovelheira,
outros dias carrego sacos de compras, móveis, livros, utilidades e
inutilidades, etecetera, longe da condição de titã, lá me vou aguentado,
duvidando, sendo cada vez mais pragmático num corpo onde sinto marcas de tempo
e se veste com roupas totalmente cobertas de pó.
Num ritmo cada vez mais parecido ao do meu avô e do meu pai, trabalhei com
as ferramentas quase adequadas, olhei-me no horizonte passado e reconheci mais
lentidão, mas com mais segurança e eficácia nos passos. Dorido, ao fim do dia,
repenso que todos os trabalhos exigem inteligência, brio e destreza. No meu
caso, um cinto de ferramentas ter-me-ia poupado as costas e feito ganhar
minutos na execução das tarefas. Tenho sorte. O Sísifo tem sorte. Por mais
pensamentos infestantes que tenhamos, amanhã podemos recomeçar.
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