Tenho bem presente a imagem do
meu tio Manuel a dormir no palheiro com a espingarda ao lado. A necessidade de
proteger o que plantara, o que cuidara, o que aprovisionara para dar de comer à
sua família, justificava esta imagem que não gostaria de um dia ter de
reencarnar.
A vida de pequeno agricultor, de
ganadeiro, de pastor, não é nada bucólica como o poeta nos faz crer.
Não está assim tão longe o tempo
em que o senhor feudal exigia o tributo e parte da colheita. Em tempos de PAC,
de campos subsidiados, os roubos de produtos agrícolas estão ao nível do
carjacking de marcas de altas gamas.
O meu tio protegia o seu trabalho
de um acampamento ilegal na sua propriedade. De ciganos que andavam a rondar
para ver o que podiam mangar (lembro-me bem e não cairei num registo correcto
politicamente se não o é com o que vivi). O peso do Ultramar pesava-lhe no
passado e ajudava-o a assumir a arma carregada e um possível apontar em
legítima defesa. Era assim, a sua geração é assim.
Lembro-me tanto dele, e da quinta
da infância das minhas primas, porque hoje parte de nós cá em casa deposita no
campo a esperança de um futuro familiar sustentável. No entanto, proliferam os
roubos nos olivais, amendoais, montados de sobro, até mesmo vinhas, numa total
impunidade.
Quem me diria que o azeite, e a
sua modesta azeitona, ascenderia ao estatuto de produto de luxo e emblema
ibérico da gastronomia “gourmet”? Torradas de azeite, pão com azeitonas,
refugados, etc., eram coisa de pobre e hoje este óleo natural é ouro líquido.
Parece que a influência do
mediterrâneo chega até onde encontrarmos oliveiras plantadas. É uma imagem
bonita de se pensar, bem mais idílica do que a de um homem guardar o suor do
seu trabalho à ponta de escopeta porque a lei não o protege.
Hoje à tarde estava a passar na
televisão, num desses canais reacionários, uma sessão de cinema Western. Bud
Spencer, Terrence Hill, Djangos, Clints, Waynes e afins defendiam-se assim até
chegar a mão da lei, em forma de Rangers, Xerifes e “Deputies”… O campo não tem
portas e, apesar de parecer esquecido, votado à desertificação, não se protege minimamente na memória da cidade.
Vamos ver como será quando houver uma crise da batata… Vai-se descobrir que não
nasce empacotada.
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