Não sei porquê, mas hoje a leitura, antes do João Pestana nos vir visitar, foram uns quantos poemas do meu livro "33". Estava ali à mão de semear, na desarrumação do escritório, e foi comigo para o quarto dos meus filhos. Deitados na cama, à luz mineira do frontal a adentrar-nos na escuridão da noite, li dois ou três poemas, mais alegres e apolíneos, alguns mesmo dedicados a eles ou a pessoas que eles conhecem.
A páginas tantas, o meu filho mais velho pergunta-me:
- Papá, quando tu fores velhinho, eu vou ter este livro?
Velhinho, para ele, é o mais perto da morte, conceito que já conhece e, como a qualquer criança de sete anos, lhe faz impressão, se é que alguma vez nos deixa de impressionar. Apanhou-me desprevenido, contudo não me fez ponderar as palavras.
- Claro filho. Este livro é teu e do mano. Se o papá escreve, é, principalmente, para vocês. Nada me faria mais feliz. Podem desaparecer todos os exemplares, mas se vocês tiverem o vosso...
E a coisa ficou por aí. Li mais um poema, com epígrafe de Miguel Torga, e senti um orgulho que nunca tinha sentido por ter ali palavras pintadas com tinta numa gráfica.
Já passaram uns anos desde que este livro foi escrito e impresso. Por vezes, parece-me que a ingenuidade era tal que a qualidade é igualmente proporcional. Duvido dos versos. Duvido do seu fingimento, em nada pessoano, e continuo a não ver em mim nenhum poeta, apenas um homem cuja pena encontra consolo na escrita. Porém, hoje, todos os versos soaram bem, encadearam-se num ritmo certo e possibilitaram-me vislumbrar uma estante na memória dos meus filhos. Se assim não foi, e o frontal mineiro, na noite escura, nos levou para um túnel do tempo, o sonho foi agradável. Cheguei a velhinho e os meus livros foram estimados pelos meus filhos, os leitores que me conhecem mais além da palavra.
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