Recorremos muitas vezes às pedras
no caminho, ou no sapato, como metáfora de dificuldade ou sofrimento. Entende-se
perfeitamente o porquê, daí ser frequente encontrarmos, por essa internet fora,
pérolas de sabedoria como: Pedras no caminho? Guardo todas, um dia vou
construir um castelo.... Atribuir a sua autoria a Fernando Pessoa é que, quanto
a mim, não é muito acertado. Não porque isso possa manchar o génio do poeta,
sim porque o leitor atento, e minimamente conhecedor da obra de Pessoa, disseminada
em heteronímia, não associa características, como resiliência e resistência,
mais relacionadas com a física, ao seu legado. Claro, isto sem nunca pôr em
causa o estoicismo de Ricardo Reis.
Certo é que, esta imagem, nunca
me remeteu para coisas negativas. Talvez devido ao facto de me distrair
frequentemente. O passar dos anos também me levou a assumir que calhaus, areia,
mato, planos inclinados ou pendentes, são caminho. O movimento, tal como a inércia,
perspectiva do mesmo.
A prova de que, no Oriente, se
está mais desperto à contemplação, à atenção, do que no Ocidente, encontra-se
em muito vocabulário que, para nós, no outro lado da civilização, temos
dificuldade em entender, ao ponto de necessitarmos recorrer a frases para
compreender o que num só vocábulo se expressa. Suiseki, palavra japonesa, é disso um excelente exemplo. Para
entendê-la, tive de esmiuçar em português o seu significado de apreciar a beleza da rocha, a sua forma, a
sua textura, o seu passado geológico em camadas sedimentares de experiência e
sabedoria.
Pedro deriva etimologicamente de Petrus, em latim pedra, no sentido de
escorado como uma rocha. Guardo muitas pedras. Algumas são Pedros, é uma das certezas, de apelido Martín, Gundín ou, neste
caso, Cuadrado. Quem lê o que vou escrevendo, não tem ideia de que há um
alicerce, cuja amizade faz de mim melhor e, escrevo-o aqui com todo o orgulho,
pule e lima as arestas descabeladas do meu espírito impetuoso.
O Pedro L. Cuadrado, o primeiro
professor de português do ensino secundário em Espanha (e o blogger mais refinado que conheço), é,
como nunca me canso de dizer, esse tesouro que prefere o recato da casa ao
protagonismo da exposição. Vinte anos o separam desde o meu berço e, podendo-o
ser, nunca quis ser meu mestre, preferiu ser meu amigo, mostrando-me não haver
forma mais humilde de mestria.
Quis a ironia da vida que eu o
fosse substituir em Valencia de Alcántara, onde, durante quase vinte anos,
lecionou e divulgou a língua portuguesa nessa raia, a única que entre nós
existe. Quis também a casualidade que, em Badajoz, trabalhássemos na mesma rua,
quase à frente um do outro. Aqui temos podido partilhar muito mais que papéis,
livros, traduções, apresentações, correções ou edições de poemas e crónicas. É
difícil traduzir a grandeza daquele que opta por não a mostrar. Assim é o
Pedro, granito de Zamora, esculpido por artistas salmantinos, que veio parar às
margens do Guadiana.
E agora, já no último parágrafo,
dou por mim a reconhecer que queria escrever uma crónica sobre as pedras
basilares do ensino do português na Extremadura e não só. Reconhecer o seu
mérito e a importância que, tal como os professores de espanhol do lado
português, têm desde a raia até ao coração de Espanha. Fi-lo da pior maneira
possível para o leitor interessado no assunto. No entanto, da maneira possível
para mim, um gajo que, desde puto, guarda e estima as pequenas pedrinhas,
seixos do rio, dentro dos bolsos e sempre preferiu contemplá-las com o afecto
da palma da mão em vez de andar à pedrada.
(Nota: Como é obvio, esta crónica
não foi lida, nem polida, nem limada, pelo professor Pedro L. Cuadrado. Se
assim fosse, estaria efectivamente melhor e proibir-me-ia de publicá-la.)
Suiseki (From Jinsha River, China) |
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