Tinha 88 anos e viu o seu pai ser desenterrado de uma vala comum na Andaluzia. Chorou-o num esqueleto amontoado entre tantas outras ossadas de gente fusilada.
A sua dor esteve soterrada durante décadas. Já no fim da vida, pôde fazer o luto e, com os restos do seu pai, viver o que lhe restava de vida.
Tempo atrás, quando cheguei para viver em Espanha, ao ouvir falar destes movimentos da "Memoria Histórica", pensava que o melhor não era coçar as feridas do passado, não cair nessa tentação, pois assim se poderiam sarar as chagas da Guerra Civil. Pouco depois, já em Badajoz, conheci o Enrique. Homem bom, sábio, honesto e um profissional hoje jubilado, porém ainda a exercer no coração dos ex-alunos.
Jamais esquecerei o que me disse, à beira da máquina de café da sala de professores:
"- Luis, ¿por qué coño no podré enterrar a mi abuelo si sé que está muerto en una cuneta junto a una carretera?"
Nesse momento, e até hoje, esse morto numa valeta extremeña qualquer, deixou de ser só do Enrique. O seu avô é alguém que também para mim, na minha consciência, necessita uma última morada digna.
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