Ouvi durante muito tempo falar deste O Quanto Amei – Fernando Pessoa e as mulheres da sua vida à Sara Rodi e, apesar de ter demorado sete anos (um número cheio de personalidade e carácter), nunca duvidei de a sua autora o terminar mais cedo ou mais tarde. Não sendo eu propriamente um “pessoano” (adjetivo estranho se nos pusermos a pensar como merece), considero-me um estudante avançado do Modernismo português e, mal abri este livro, fiquei com outra certeza: estamos perante um trabalho de investigação notável, suportado por uma bibliografia rigorosa, cuja prosa de Sara Rodi romanceou sem abandonar os alicerces da verosimilhança.
Desde a infância de Pessoa, a sua passagem por Durban (gosto da perspectiva de o poeta dos heterónimos haver sido uma potencial vítima de “bullying” durante a sua formação anglófona), à sua vida adulta e criadora, até ao derradeiro dia do I know not what tomorrow will bring, encontramos a presença feminina, de dentro e de fora do seu espectro familiar, algo que, ao longo dos vários anos em que a sua obra saiu de fora do âmbito da arca, não associamos ao autor, cientes mesmo de, por vezes, haver sido acusado (quem sabe injustamente) de misoginia.
Outro apontamento de interesse da minha parte, leva-me para o vigésimo segundo capítulo, ambientado a 15 de Outubro de 1905, dia em que supostamente Fernando Pessoa privou com Augusto Gil e com outro poeta, oriundo do Marão, que estimo particularmente, Teixeira de Pascoaes. Entre misticismo, messianismo, o que concilia a presença destes dois grandes da literatura é a polémica de então inerente ao sufrágio feminino e à luta encabeçada por mulheres como Ana de Castro Osório.
E ainda temos Évora, também presente no livro, e que nos faz conjeturar que Pessoa não se circunscreveu simplesmente à sua Lisboa (omitamos Durban, propositadamente) onde podia ouvir o desassossego dos sinos da [sua] aldeia.
Não me alongarei nestas palavras pois não sou crítico literário e, se o fosse, seria logo alvo de suspeita, pois une-me à Sara uma amizade antiga. Pensando bem, a verdade é que desde que tenho memória me lembro da Sarita, da sua irmã Ana, dos seus pais (que tanto estimo) e dos seus tios que, de certa maneira, também foram meus. Lembro-me de brincarmos juntos na Rua Reguengos de Monsaraz, de a ver escrever na sua casa, no jornal dos escuteiros e de ouvir com ela um disco de vinyl dos “Scorpions”! Nessa época, os escassos anos que temos de diferença faziam com que a Sara já fosse uma mulherzinha e eu um puto, no entanto sempre lhe tive um carinho especial (nada de paixonetas – e olhem só que a Sarita é “guapísima”!), talvez porque já sentia que a minha amiga tinha nascido comprometida em melhorar este mundo e fá-lo de diversas maneiras, uma delas é através da literatura.
Passou o tempo, os estudos e os trabalhos levaram-nos para fora da nossa cidade, porém, a “Mais Alentejo” juntou-nos de novo e a escrita também. Eu sem qualquer tipo de criatividade, ao contrário da escritora de “O Quanto Amei”, com umas crónicas soltas por aí e uns versos sem saberem de que terra são. Quando decidi exibir essa minha lacuna, quando saí do armário (ou da gaveta) e reconheci as minhas intenções de expressar-me através do verbo, a Sara Rodi estava aí, como essa amiga de sempre a estimular-me a continuar por esta senda.
Em fim, amizade e apreço à parte, tenho na minha biblioteca mais um romance da escritora Sara Rodi que se lê (e relê, sublinhando-se) com prazer e emoção. Só tenho pena de as circunstâncias não me terem permitido estar em Évora, na sua companhia, da Carmo Miranda Machado, do Antonio Sáez e dos nossos para assistir à sua apresentação. Consola-me a certeza que este livro vai cruzar fronteiras e a espanhola apanha-me de caminho!
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