sexta-feira, abril 29, 2016

Auto-retrato possível (aos 35 anos)


De sua parte, nasceu há 35 anos, em Évora, de olhos azuis com sotaque. Bem servido de orelhas (ocultas numa melena loura colonizada por grisalhos laterais). Índice de massa corporal adequado, sem colesterol porém com tendência familiar à hipertensão. Tem musa, filhos e uma bela cicatriz no tornozelo direito.

De roupa informal e sapatos cómodos, não renega o clássico blazer de ombros ainda mais quadrados que os seus.

Ossudo e atarracado. Mãos ásperas mas suaves de intenções. Generoso de afecto e teimoso amigo do seu amigo. Pouco dado a polémicas e a inimigos. Sabe pôr pontos finais. Desde pequeno que tem noção da morte, sem medo, consciente do ritmo e substância do ser que se é e se acabará.

É crente. Nas crianças. Papas só Cerelac, Nestum e, agora, o Francisco.

Gosta de música. Gosta de livros. Gosta de ferramentas. Gosta de armas e navalhas (reminiscências duma infância série B e dum avô leal). Quando faz o que gosta põe tudo no fazer. Tenta ser amável sem olhar a quem e o quê.

Arqueólogo de supermercado. Piedoso com as velharias. Despreza a opulência e o desperdício. Forreta q.b. Crê-se sustentável.

De bicicleta pelos dias, em boa companhia, a refeição é um prazer, de pé, em solidão, é necessidade de nutrição.

No papel, no computador, no que estiver à mão, escreve à solta.

Gosta de palavrões escritos e falados. Tem o (mau) costume de ensiná-los e, por vezes, a sorte de ser pago por isso.

Herdou da mãe uma certa alegria, o gosto por comunicar sem medo de ser ridículo. Do seu pai a timidez e dentro o silêncio que poucos vêem. Um virtuoso retrato moral à cabeceira.

Tem já mais do que a idade de Cristo e até que ponto é o que imagina ser?

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