O meu pai movia-se entre nós,
cantando cada nova folha saída de cada árvore
(e cada criança tinha a certeza de que a Primavera
dançava quando ouvia o meu pai a cantar).
quarta-feira, agosto 31, 2016
O meu pai movia-se entre nós - e.e. cummings
terça-feira, agosto 30, 2016
segunda-feira, agosto 29, 2016
Presumível
sorriso
um aviso
uma acção
do passado
talvez o culpado
desta condição.
factos justificados
perante o grande júri.
advogam-se as causas
à luz que deve iluminar
a processo
dentro da lei
dos homens a legislarem a natureza
a evitarem cumplicidades
associações desconsideradas
criminosas
não admite
em confessa
ser
presumível
autor.
que o julgue o tempo
quando este deixar de ser arguido
da sua própria existência.
A piscina na estrada...
sexta-feira, agosto 26, 2016
Não te basta já a dor de cabeça de seres de carne e osso?
quinta-feira, agosto 25, 2016
terça-feira, agosto 23, 2016
Portagem, 23/VIII/2016
Depois de Castelo de Vide, depois da bela e estreita estrada com árvores de tronco vestido de branco, chegámos à Portagem. Refrescámo-nos na companhia de bons amigos (para variar abusaram no preço do almoço graças ao nosso ar e companhia de estrangeiros) e fomos o que há anos somos. O Luis, o José, a Pepi, iguais aos anos que passam, fiéis ao afecto, com filhos e com a cumplicidade da Elsa, da Camino e do Rafa. Faltavam o José Manuel e a Maite fisicamente.
À volta, depois de uns mergulhos anti-inflamatórios e de umas conversas à beira do Sever, conduzi feliz em direção a casa.
Gosto de estar assim, acompanhado, rodeado por gente que não se julga, que apenas é o que é. Consola-me saber isso e ser eu, sem máscara, sem filtro social que não seja o da estima e da amizade. O que é que seria do Dom Quixote sem o seu fiel escudeiro (amigo que era o que era) Sancho Pança? Seria apenas mais um cavaleiro de triste figura. Ao homem incapaz de ser amigo por assim o dever ser, acontece exactamente o mesmo. É um triste homem...
segunda-feira, agosto 22, 2016
Estivemos todo o dia em casa. O agosto remata o final dos seus dias com um calor que só à sombra permite a existência, ou à noite, porque também é amigo da insónia.
Não é fácil entreter duas crianças, uma delas um bebé de um ano, nestas circunstâncias. Há que ter paciência. Têm de aprender a abrigar-se do frio como também do sol que nos marca com raios UV.
Onde vivemos, o frio é passageiro e quase sempre provoca-me saudades. O sul, esse que no mapa também se marca com cores quentes.
O vento é emulado por uma coluna de ar artificial, uma ventoinha que trabalha noite e dia dois a três meses por ano. O seu ruído é mecânico, tão diferente da sínfonia do vento que anunciará em breve o outono.
Não páro de pensar. Não sou capaz de adormecer sem antes fazer ou conjugar algum verbo da segunda conjugação, regular ou irregular, só para rimar. Ler, escrever, por exemplo, para não entrar em mais detalhes.
Hoje li pouco. Uns artigos sobre o Bordalo Pinheiro do Zé Povinho, um documento sobre a guerra civil espanhola e uma entradas num diário alheio. Mas o que levo para a cama é um pensamento preocupante de como os extremismos, neste caso particular o ISIS, recrutam fiéis logo na primeira infância a troco de umas guloseimas, de umas promessas divinas, ofensivas para qualquer deus decente, de serem "as crias" do profeta. É tão fácil doutrinar para que explodam em nome da cobardia humana...
Fecho os olhos em oração a um qualquer deus decente e rogo-lhe que interceda por estas crianças. Tenho fé não sei bem no quê, se em deus ou num resto de decência humana.
As Pontes (Acetre)
Sobre o disco de Acetre a que pertence "As pontes", Arquitecturas rayanas, podemos ler o seguinte na página musicaflok.es :
"As Pontes fue el primer single que el grupo extremeño Acetre lanzó, como adelanto a su álbum Arquitecturas Rayanas. También fue el primer videoclip que realizaron, con impecable resultado, como podéis ver tras el salto. Rodado en Badajoz, el tema habla de los puentes físicos tendidos a ambos lados del Guadiana a su paso por la ciudad."
AS PONTES
Blanca es la paloma
Que aquí se posó
Bella como el alba
Cuando sale el sol
Ó minha pombinha branca
Vem depressa ao meu quintal
Salpicadinha d’amores
Pra ver meu amor chegar
Claveles en mayo
Rosas en abril
Mi amante se peina
Junto al toronjil
Ausente de ti, meu bem
Sempre estou a suspirar;
Esta paixão do meu peito
Já não a posso olvidar
Pequeña es la dama,
Pequeña y hermosa
Y reparte amores
Como hojas de rosa
A rosa depois de seca
Foi-se queixar ao jardim,
O jardinheiro lhe disse
Tudo no mundo tem fim
Abanicos verdes
Lleva la pastora
y guarda el ganado
mientras me enamora
Pastora, boca de cravo
Cintura de capitão
Cadeado do meu peito
Chave do meu coração
Cuando en ti pienso
Renace mi amor,
Donde prendió el fuego
Ceniza quedó
Ó minha pombinha branca
Vem depressa ao meu jardim
salpicadinha de flores
Pra ver meu amor partir
Quando os meus olhos te viram
Meu coração se alegrou
Na cadeia dos teus braços
Minha alma presa ficou.
sexta-feira, agosto 19, 2016
Sísifo de rede ovelheira
quarta-feira, agosto 17, 2016
Victor "Young" Perez
nunca deixou o teu coração ser francês.
Os teus punhos foram nacionalizados
mas tu nunca foste um protectorado de Vichy.
Obrigaram-te a levar a estrela
a ti a verdadeira estrela
o mais jovem campeão
do mundo
e de David.
O quadrilátero era de arame farpado
e o árbitro mais que comprado.
Com fome e sem sentires o jogo das tuas pernas
voaste pelo fumo das chaminés do crematório
a escorreres sangue de campeão,
verdadeiro, sem raça,
sem pureza que só existe
em farsas
e ideologias
que para a história
não foram mais que sofrimento
derramado em hemorragia.
A tua guarda debilitada
pela guarda de um campo de concentração
não te desconcentrou
nem pôde a humilhação
desleal doutra categoria de peso
fazer frente ao peso da alma.
Há quem afirme que o peso da alma são 21 gramas,
se assim é foram as tuas gramas
que se imposeram à tonelagem de crueldade
e fizeram do teu voo
um combate para a eternidade.
O sol em Janeiro na Polónia não se vê. Foi difícil marchar de pés sangrentos
para voltar à beira-mar do mediterrâneo.
Oportunista, como bom pugilista, encontraste um aberta na guarda da morte
e esquivaste o esquecimento.
Bastava-te um momento
mas uma bala fez-te ir ao tapete
antes de tempo.
Rua da Cal Branca
Como qualquer superfície de mármore, era preciso ter cuidado para não se escorregar. Mas sempre os sentidos se alegravam por ali passarem.
Optava por lavar todas as escadas de joelhos. Do rés-do-chão ao segundo andar, a senhora da limpeza, de quem nunca soube o nome, era tal qual a sua mãe que anos antes lavara a mesma escadaria na mesma incomodidade de genuflexão mas deixando como herança o brio e o hábito do esfregão e do sabão azul.
Hoje escorreguei na brancura do mármore desta lembrança da Rua da Cal Branca. Escorregámos. Nunca subi essa escada sozinho porque lá em cima alguém me esperava sem necessidade de avisar.
A senhora já me conhecia, o plátano lá fora também. Fazia questão de me receber com o acto cerimonioso de interromper o seu labor para que passasse e não escorregasse na humildade da sua existência. Creio que assim o pensava.
Eu não. A gratidão que tenho pelo seu gesto é presente como tento pisar com cuidado e reconhecimento o trabalho prévio dos outros. O sorriso é o do jovem apaixonado já então lhe reconhecia o mesmo azul dos olhos e longo cabelo da sua princesa.
Hoje as escadas da Rua da Cal Branca voltaram a ser subidas a vários anos e quilómetros de distância. Lá estava a senhora de joelhos a lavar com sabão azul o mármore dos nossos passos.
Cumprimentámo-la e fomos cumprimentados como se ontem por lá tivéssemos passado. Ela olhou-nos e soube que a sua dignidade ia ali connosco. A da sua mãe também. No nosso caminhar há a brancura do seu esforço, agora o nosso esforço.
terça-feira, agosto 16, 2016
Aos que cá estão e aos que não
Em criança, se queria chorar, bastava-me pensar na morte dos meus avós. Não era que o pensamento do fim dos meus progenitores não me afetasse, sempre me deram a ilusória segurança que ali estariam, essa ideia de perenidade desactivava o melodrama. Também era criança e era bem enganado, algo que a cronologia da idade dos meus avós não me permitia estar tão seguro da igual condição mais jovem dos meus pais.
Mas o peso da ideia de fim não abandonou essa criança. No quarto ao lado dormem outras duas às quais sou incapaz de prometer céus e outros mundos. Não lhe mostro que também eu tenho as mesmas dúvidas e medos multiplicados pelo anos que vou vivendo e pelas filosofias que vou descartando.
Ganhar só existe porque se contrapõe ao perder, sabemo-lo demasiado bem. Ganhei mais um dia, mais uma entrada neste diário sem leitores, a memória dos meus avós não me faz chorar, todo o contrário, lembra-me de cuidar, estar lá, para os que de mim dependem. Ser ainda esse menino, assumir o seu medo, é a maior prova de amor que lhes posso dar. Aos que cá estão e aos que não.
sábado, agosto 13, 2016
quinta-feira, agosto 11, 2016
Árvore da infância
quarta-feira, agosto 10, 2016
Cantares que fazem pontes – Luis Leal (Revista "Mais Alentejo" nº134)
Leiria. Vida comercial. Shopping Center.
Foz do Arelho
Leiria, 6/VIII/2016
terça-feira, agosto 02, 2016
Praticar. O verbo consciente.
Portado de Verão
O portado é a parte mais importante de uma casa no Alentejo. Depois, imediatamente, vem a fachada caiada a branco e com um rodapé creme ou azul.
É o portado porque, além de apoiar o pé nas boas-vindas caseiras, apoia o traseiro num contemplar de fim de tarde veraneio em que todo o dia nos pediu sombra e fresco.
Se o serão se assume simpático, vai-se lá dentro buscar uma cadeira de praia e fica-se na conversa com as vizinhas da rua. Vêem-se as crianças a brincar aos jogos sem fronteiras, fala-se sobre a última contratação do Benfica, do gazpacho do almoço e dos restos que se aproveitam para a refeição ou dia seguinte.
O Alentejo é o portado de Portugal. Há portados por outras regiões e países fora que, tal como no Alentejo, se estão a perder.
Os portados estão em vias de extinção, morrem de velhos e não se renovam. Fecham-se em casa. O convite ao diálogo, à circunstância passageira ou à autorização de entrar-se no lar de cada um, evoluiu para uma timidez física extrovertida no meio digital. As redes sociais de conversa de cadeira de praia ao serão Alentejano são cada vez mais escassas mas um autêntico prazer quando as encontras.
Ontem lembrei-me como gostava de apanhar fresco na rua, no pátio, nessas esplanadas de vontade de ar menos abafado do que em casa, ao ver os meus filhos brincarem em Vale do Pereiro, na aldeia da minha família.
Ainda se ouvia a música do último dia da festa e comia-se com a porta aberta aos que na rua passavam. Os miúdos tomavam banho no tanque e brincavam a varrer a casa.
Sentei-me no portado a falar com o Jorge. As cadeiras sairam à rua e começaram a falar umas com as outras.
Em amena cavaqueira, tive de as abandonar, sentar-me ao volante dum carro que retirou os meus filhos da brincadeira de rua e voltar para o lado de dentro do portado, onde me escondo. Aqui onde vivo, já não sou o mesmo menino do bairro. Para ser fiel aos meus, tenho de me esconder ou passar a ser o portado.