quinta-feira, fevereiro 27, 2020

Crónica: "Manel" de Luis Leal (in "Mais Alentejo" nº152, p.84)

Não sei e não gosto de escrever sobre a minha profissão, mas sei bem o porquê de a exercer. Se tiverem a amabilidade de ler esta crónica da “Mais Alentejo”, nº152, saberão o porquê e igualmente saberão o privilégio que foi ter o Manel no meu caminho. Posso garantir-vos que não sou o único e sei que estas palavras não são só minhas... Para ti “Bochinha”, gosto tanto de ti, pá!

No sé y no me gusta escribir mi profesión, pero sé muy bien el porqué de ejercerla. Si tenéis la amabilidad de leer esta crónica de la “Mais Alentejo” sabréis el porqué e igualmente sabréis el privilegio que fue haber tenido a Manel en mi camino. Os puedo garantizar que no soy el único y sé que estas palabras no son solamente mías... Para ti “Bochinha”, ¡te quiero mucho, tío!

Crónica: "Manel" de Luis Leal (in "Mais Alentejo" nº152, p.84)

Crónica: "Manel" de Luis Leal (in "Mais Alentejo" nº152, p.84)


Nunca por aqui escrevi sobre a minha profissão. Não o fiz porque gente bastante mais interessante e idónea do que eu o faz e fá-lo bastante bem, porém, caso não saibam como ganho a vida, é fácil adivinhar: sou professor. “Mais um” dirão (e quem sou eu para vos contradizer) que gostaria de viver para a escrita e, afinal, é a docência a pagar contas e a permitir devaneios literários.
Não gosto de falar demasiado sobre o que faço. Primeiro, porque, apesar de ser aqui ao lado, é outro sistema educativo e estou bastante farto de comparações. Ou é melhor, ou se ganha mais, ou é pior... Ser professor em qualquer parte do mundo, na essência, é o mesmo. Lá como o sistema, a sociedade, nos trata é que pode diferir.
Segundo, abomino todo o discurso de vida centrado no trabalho. Curioso é este grémio ter uma elevada percentagem de gente constantemente a justificar vocações, enunciando o tempo que dedica aos seus alunos, à sua escola, quem sabe se para esconder alguma ou outra carência. Nego-me a fazer parte destas contas. Vivi intensamente a minha etapa de aluno e, no final da minha labuta, continuo a querer ir para casa, para os meus, para o que quer que seja (longe de preferência), algo que jamais invalidará competência e dedicação.
Poderia enveredar pelo discurso do “Prof. do Ano”, esse “setôr fixe” cheio de motivação para mudar o mundo com os seus alunos no centro do universo, ou sucumbir ao cansaço de tentar cada semana (sem contar com 3, perdão, 4 meses de férias, pois há que contar Natal, Carnaval e Páscoa!) que te oiçam, que aprendam, no meio de parafernálias informáticas mais credíveis do que tu e, de certeza, insensíveis às faltas de educação, de respeito... Poderia pôr-me para aqui a escrever sobre os meus feitos e fracassos profissionais e não ganharia mais do que esse desinteresse e invisibilidade a que muitos estamos votados. Na encruzilhada do entretenimento e do cansaço, apenas sei por que motivo enveredei por esta profissão.   
Quis ser uma catrefada de coisas: médico, veterinário, polícia, aviador, militar, arqueólogo e até Presidente da República. Em Espanha já sei que não me safo, mas em Portugal ia ser um bom rival do Marcelo em abraços e lágrimas. Contudo, não sou gajo de grandezas, nem para o povo, nem para mim. Fiquei-me por professor (de português, ainda por cima!) como o meu professor Manel.
Muitos conhecem o Manel. Não porque Évora seja pequena, sim porque a sua grandeza o precede. Se existe essa coisa do destino, o meu selou-se no dia em que me deu a primeira aula. Escreveu no quadro “Lua Nova/Rua Torta/Tua Porta”, versos da Ana Hatherly. Não sei se os entendi, mas os meus 16 anos gostaram e esse é o primeiro passo para se entrar na poesia.
As suas aulas não eram para clubes de poetas mortos, eram para gente viva, com esperança num futuro conquistado em Abril e sem medo de criar movimentos ambientalistas tão politicamente incorrectos quanto ridículos, como o nosso “Raiva Verde”, com o seu pasquim “Oikos Logos”.
O Manel inspirava-me. Com ele, e graças a ele, escrevi os meus primeiros artigos, atrevi-me a um primeiro acto dum “Tirésias Superstar” e li, em público, o meu primeiro poema. E era tão forreta! Só tive dois 18 e foi prestes a entrar para a universidade. Sempre lho disse, tratando-o por tu, algo impensável no meio escolar português. O sovina estimulava-me a dar o melhor de mim. Hoje, basta papás ou mamãs queixarem-se e sobem-se notas. Se a coisa estiver difícil, devidamente amparada em justos critérios, há-de vir alguém da inspecção educativa e fá-lo pelo docente.
E o Manel vinha para a escola de bicicleta! Marimbando-se se era coisa de pelintra, de pobre. Fazia-o (e faz!) naturalmente por este ser o melhor e mais belo meio de transporte do mundo!
Gosto tanto do Manuel Piçarra. Foi um privilégio ser seu aluno. Está na moda dar-se prémios aos professores. Até se pode justificar como um reforço positivo, mas não me evita a tristeza de só lhe ver lógica capitalista. Um verdadeiro professor não quer prémios. Com a sua dignidade respeitada, dar aulas, por si só, é uma recompensa. Então se for a gente que quer aprender, é laureado com o Nobel todos os dias!
O nosso Manel





Tu bici...

«El rey de los mastines no tiene miedo a los lobos» - Foto de Diego Sánchez y Borja Larrondo

Mais companhia para o café... e ainda por cima da mesma terra!

quarta-feira, fevereiro 26, 2020

"A las aladas almas de las rosas del almendro de nata te requiero" - Miguel Hernández

«A las aladas almas de las rosas
del almendro de nata te requiero,
que tenemos que hablar de muchas cosas,
compañero del alma, compañero».
Con nuestros almendros ya en flor, recordamos versos de Miguel Hernández.

aCourela do Alentejo 2020

terça-feira, fevereiro 25, 2020

"La industria del automóvil siempre ha hecho gala de clarividencia política" - Manuel Vilas

La única diferencia es que en Portugal fue el Fiat 127 que nos avisó que el cambio se haría con claveles. Mi propia clarividencia me dice que mi 127 tiene un montón de recambios Seat y eso hace que aún más disfrute al conducirlo.
A única diferença é que em Portugal foi o Fiat 127 que nos avisou que a mudança far-se-ia com cravos. A minha própria clarividência diz-me que o meu 127 tem muitíssimas peças Seat e isso faz com que ainda mais prazer tenha em conduzi-lo.

“El Renault 5 y el Seat 127 eran los utilitarios que triunfaban en la España de aquel tiempo. Esos dos coches fueron España entera, y significaban que el Seat 600 había muerto y había dejado paso a vehículos con más diseño, más audaces en formas y motores, más libres, más sofisticados. Esos dos coches avisaban de que se avecinaban cambios políticos. La industria del automóvil siempre ha hecho gala de clarividencia política. Nota los cambios antes que la literatura, el arte y la filosofía.”

O Renault 5 e o Seat 127 eram los utilitários que triunfavam na Espanha daquele tempo. Esses dois carros foram Espanha inteira, e significavam que o Seat 600 tinha morrido e tinha aberto caminho a veículos com mais design, mais audazes nas formas e nos motores, mais livres, mais sofisticados. Esses dois carros avisavam que avizinhavam mudanças políticas. A indústria automóvel sempre fez gala de clarividência política. Apercebe-se das mudanças antes da literatura, da arte e da filosofia.”

Manuel Vilas, in “Alegría”(2019), p.57. (trad. Luis Leal) 
Luis Leal Fiat 127

Uma fotografia de Ilja Holodkov





Um folião mirim


Fotografia de pacatatu.


mirim
adjetivo de 2 géneros

Brasil pequenino

Do tupi mi'ri, «pequeno»

(Infopédia)



segunda-feira, fevereiro 24, 2020

Café sem resíduos...

Sonríe cada día... /Sorri cada dia...

Carnaval de São Vicente (Cesária Évora)


CARNAVAL DE SÃO VICENTE

J'a'm conchia São Vicente
Na sê ligria na sê sabura
Ma 'm ca pud fazê ideia
S'na carnaval era mas sab

São Vicente é um brasilin
Chei di ligria chei di cor
Ness três dia di loucura
Ca ten guerra ê carnaval
Ness morabeza sen igual

Nô ten un fistinha mas sossegod
Ca bô exitá bô podê entrá
Coque e bafa ca ta faltá
Hôje é dia di carnaval

São Vicente é um brasilin
Chei di ligria chei di cor
Ness três dia di loucura
Ca ten guerra ê carnaval
Ness morabeza sen igual (x 6)

Cesária Évora


As fotografias, tiradas nesse Carnaval, são de Casey Kramer.





quinta-feira, fevereiro 20, 2020

Cabana contra o tédio...


Estava cansado, tinha necessidade de tomar o meu café sem televisão, sem rádio, sem grandes ruídos e tu agarraste no livrinho das tuas actividades contra o tédio e montaste uma cabana no meio da sala.

Pena que o mano não pôde entrar, devias ter sido mais solidário, mas até te compreendo pois ele ainda está nessa fase de emplastro que arranca tudo por onde passa.

Gostas de estar lá dentro e escreves notas à que me impedem de entrar. É engraçado, pois escreveste em espanhol e em português... 

Está tudo desarrumado, mantas e almofadas pelo chão, mas é dono do melhor imóvel que alguma vez poderás ter: uma cabana de mantas coloridas, cheia de sonhos, na qual a tua infância se pode abrigar...

Sei que vais acabar por deixar o mano entrar...

quarta-feira, fevereiro 19, 2020

Poeta (menor)

Quando pensamos em excelência literária, poética neste caso, costumamos associar os versos a uma intemporalidade que sai fora de portas, que se traduz e que se cita com frequência. Assim foi ontem. O poeta leu e demonstrou a sua erudição na primeira pessoa e na pessoa dum seu alter-ego checo.
Fui albarroado com uma cultura inacessível ao meu mundano dia-a-dia e reconheço-me ignorante. Qualquer coisa que escreva não será vanguardista, não terá siglas de um tal EP (Ezra Pound, confessou o erudito), não terá a sonoridade de Satie, não terá milhas de viagens que inspirarão textos ou poemas. E fico feliz por assim ser.
O poeta erudito, com veia académica, porém, não tenho a certeza se está vinculado formalmente à academia, mencionou várias vezes outros poetas, referindo-se a vários deles como «poetas menores». Não me soou a arrogância tal referência, devo reconhecê-lo, mas não pude deixar de sentir que a enciclopédia, por mais que a admire e me seja útil, não é o local propicio a versos pouco fingidores, a versos comprometidos com qualquer tipo de condição.
Saí do evento cansado, como saio de algumas aulas em que o excesso de informação desgasta o entusiasmo pelo conhecimento. Saí quiçá mais erudito, mais polido para brilhar em espaços de presunção, mas saí sem a poesia «maior», a qual ia à procura e ali consigo encontrar.
Cheguei a casa e, enquanto bebo o meu cházinho junto à lareira de fingir, abro o Facebook. Passo o polegar rápido, sem grande interesse, mas a minha atenção prende-se numas quadras que Teresa Rita Lopes publicou no seu mural. Eram de António Aleixo e menores, certamente, para o poeta «maior» (será que ele assim se considera?). Contudo, essas duas velhas quadras, dum poeta que nunca conheceu ou anseou ser Ezra Pound, um vanguardista ou um «beatnick», deram-me mais poesia do que quase duas horas de vertigem... quem sabe poética? Mas isso é para gente «maior» do que eu.

«Vivo a natureza integrado nela.» - Miguel Torga

«Vivo a natureza integrado nela. De tal modo que chego a sentir-me, em certas ocasiões, pedra, orvalho, flor ou nevoeiro. Nenhum outro espectáculo me dá semelhante plenitude e cria no meu espírito um sentido tão acabado do perfeito e do eterno.» - Miguel Torga, «Diário II», p.72

terça-feira, fevereiro 18, 2020

segunda-feira, fevereiro 17, 2020

Diário

Debate-se uma vez mais a eutanásia. Quase em simultâneo, em Portugal e em Espanha. Leio na imprensa e oiço na rádio de tudo um pouco. Tende-se a simplificar, a erguer verdades que não são de ninguém mais excepto do próprio que as enuncia.
«Conocer nuestro fin es toda la verdad que permanece», é um verso que me surge num livro ao qual estou agarrado neste outro fim, o do meu dia. Aponto-o para não me esquecer dele.
Tão-pouco me esqueço de, na minha juventude ter defendido o peso da cruz, o desígnio inquestionável do Altíssimo. Fi-lo em público, num grupo de amigos que se reunia à sexta-feira para debater o mundo e depois ir beber uns copos em pleno florescer adolescente. Não me arrependo. Como dizia o António Ferro (no seu caso para se escapar aos seus «levianos» anos 20), «esse fui eu, mas já não sou eu».
Uma horda de invasores bárbaros apoderaram-se do jovem católico e fizeram dele um homem de silêncios inquestionáveis. O silêncio para alguns pode ser um necessário fim. Entendo essa necessidade e não a perverto com qualquer utilidade de Estado. É pura condição humana e a mesma não me obriga a abraçar esse silêncio.
Contudo, no meio de tanto ruído que nos provocam certas circunstâncias da existência, gostava de, ao contrário do que aconteceu quando vim ao mundo, se necessário, ter a última palavra se necessitar ir-me para outro mundo.

Vasos...


O rapaz da camisola (Manuel de Freitas)




O RAPAZ DA CAMISOLA

para o Manolo

O rapaz da camisola era espanhol e tinha
a minha idade (fumámos juntos
alguns charros, se é que isso vos interessa).
Estava lá, no dia em que finalmente
comprou a t-shirt do bar onde julgava
encontrar amigos, rebaixas de amor e música.
Deixou-me então uns discos, o sorriso
de sempre, truques de Pradera que incertamente
o reconduziam ao volante do pai e à
infância que passou, nos arredores de Cáceres.

Tinha vindo trabalhar, por poucos meses.
Não ganhava mal e eu, sem nunca
o dizer, talvez perdesse ainda melhor. Mas apaixonou-se
pela cidade (eu entendo). Morava na Graça,
sorria de facto muito, tornava mais próximos e comuns
os amigos que não tenho. A Ibéria, a desoras,
parecia subitamente possível – embora
a rapariga, loura, insistisse em dizer que não.

São tristes aqueles que partem e reduzem Lisboa
à vaga rotina dos escombros, ao despovoamento
dos afectos. Talvez um dia o rapaz da camisola
me telefone para que falemos de tudo
menos de poesia. Para já, gostava de lhe dedicar
um poema melhor, sem custos alfandegários, simples
como os copos que nos encostaram juntos ao balcão.

Manuel de Freitas


Sunny Bar, sel. de Rui Pires Cabral, Alambique, Lisboa, 2015.


 (Fonte: Hospedaria Camões)


domingo, fevereiro 16, 2020

Ambição

Gosto de falar com ele. Sempre que nos encontramos, há conversa agradável e tenho a certeza de estarmos sintonizados na amizade e na visão do mundo.
E a coisa derivou para ambição, para os meus planos a curto e a médio prazo. Ouviu-me com atenção e pousou a cerveja e o olhar na mesa. Apenas me disse:
- Sabes, tenho uma grande ambição. Que não me fodam a cabeça.
Poderia ter sido uma indirecta para os meus anseios, mas não precisa desses subterfugios para me dizer o que pensa. Foi sinceridade e da boa. Agradeço-lhe a companhia, a ver se nos vemos em breve.

quarta-feira, fevereiro 12, 2020

Coisas da rádio...

É velhinha esta companhia. Acompanhou o meu pai e há muito que me acompanha todos os dias no prazer da rotina. Na era do “streaming” e do “podcast”, não abdico da liberdade das ondas de rádio e acreditem que sou capaz de abdicar de muitas coisas...
Feliz Dia Mundial da Rádio!

Es viejita esta compañía. Acompañó a mi padre y hace mucho que me acompaña todos los días en el placer de la rutina. En la era del “streaming” y del “podcast”, no abdico de libertad de las ondas de radio y créeme que soy capaz de abdicar de muchas cosas...
¡Feliz Día Mundial de la Radio!

domingo, fevereiro 09, 2020

Dignidade de Domingo

Era uma gravação que estava a ver. «Kirk Douglas, el indomable», da «Dos». E por algum motivo, não sei se pelo seu posicionamento contra o macarthismo, contra a Caça às Bruxas em Hollywood, ou o seu orgulho pelas suas raízes humildes, de filho de trapeiro, exclamei que o velhinho Kirk Douglas, o Espartacus do Kubrick, sabia o que era a dignidade. Não sei bem o porquê de exclamar dignidade, podia ter mencionado coragem, rectidão, princípios, mas destacou-se dignidade. 
Apenas me lembro de tê-lo dito em voz alta porque o meu filho mais velho me perguntou o que significa dignidade.
Descalcei a bota com alguns exemplos de respeito pelos outros porque sobressai o respeito pelo próprio, mas com um pragmatismo adaptado aos seus nove anos acagaçados com o «Corona Vírus», já a contagiar em Espanha.
No entanto, não sei se lhe ficou vincado o espírito do velho Espartacus, de rebelar-se contra a escravidão imposta por outrem. O facto de me perguntar é um sinal que me deixa feliz, me orgulha. Pode não saber definir o que é dignidade, mas o seu íntimo já se rebela contra a ignorância, contra o comodismo de preferir não saber nada. Dentro do peito dos meus filhos brilha a luz da liberdade. Cabe-me protegê-la enquanto sejam minha responsabilidade paternal. O que é que eles vão iluminar será decisão sua, aí já não me meto.
Como pai, até acredito que me possam custar futuras decisões. Parece fazer parte do fado progenitor. Mas espero estar disponível para irmos caminhar, ver o pôr do sol de domingo e ouvi-los. Se eles quiserem também posso falar e lembrá-los das perguntas que eles me faziam em criança, essas que, mesmo sem resposta, eram sempre respondidas...

sábado, fevereiro 08, 2020

quinta-feira, fevereiro 06, 2020

Etiqueto-me a esta bicicleta... / Me etiqueto a esta bici...


Hoje, a falar com uma amiga, fiquei com a certeza de ser visto como um gajo que escreve sobre bicicletas. Ter velocípedes etiquetados à minha pessoa até me agrada e também ajuda a não ser só visto como um gajo que escreve sobre a fronteira, sobre a rai(y)a. Se voltar a publicar qualquer coisa (e ando a pensar em rafeiros alentejanos), pode ser que fique rotulado como o gajo que escreve sobre cães do Alentejo...
É fácil, nesta pós-modernidade, ficarmos associados ao que quer que seja, imagens principalmente. Nas redes sociais, basta verem a tua fronha, rotulam-te de forma automática. Não nego a utilidade do algoritmo, como não nego o receio que me produz. O reflexo, por mais estético que seja, não é necessariamente essência, pode apenas encandear.
Etiqueto-me a esta bicicleta. Foi a primeira que comprei com o meu dinheiro e vendi-a a um bom amigo que jamais será associado a pedalar. Para além desta fotografia está o mar, Aljezur, peças de segunda mão, quedas, o meu tio Leopoldo, o Mestre Carrapato, o Luis, o Miguel e uma imagem que, num laboratório qualquer, umas mãos reais revelaram.

Hoy, hablando con una amiga, tuve la certeza de que soy visto como un tío que escribe sobre bicicletas. Tener velocípedos etiquetados a mi persona no me desagrada e incluso ayuda a que no me vean solo como un tío que escribe sobre la frontera, sobre la ray(i)a. Si vuelvo a publicar lo que sea (y me estoy planteando escribir sobre chuchos alentejanos), puede que quede el rótulo del tío que escribe sobre perros del Alentejo...
Es fácil, en esta posmodernidad, que nos asocien a lo que sea, imágenes principalmente. En las redes sociales, basta que nos vean el careto, y te rotulan de forma automática. No niego la utilidad del algoritmo, como no niego el recelo que me produce. El reflejo, por más estético que sea, no es necesariamente esencia, puede solo deslumbrar.
Me etiqueto a esta bici. Fue la primera que me compré con mi dinero y la vendí a un buen amigo que jamás será asociado a pedalear. Más allá de esta fotografía está el mar, Aljezur, piezas de segunda mano, caídas, mi tío Leopoldo, el maestro Carrapato, o Luis, o Miguel y una imagen que, en un cualquier laboratorio, unas manos reales revelaron.
Aljezur (2002)


Um ciclista por Kikuo

"por que persiste o vazio?" (Daniel Cramer)



Daniel Cramer, ou Sushi de Kriptonita.






quarta-feira, fevereiro 05, 2020

Insuperável...

Não sou capaz de ignorar a tristeza de quem perdeu alguém. Escrevo-o ao acabar de ler uns versos de um grande poeta, desses que jamais conheceu editora, dedicados à ausência da sua esposa e ficaram-me a latejar no peito.

O meu coração bombeia-me vida mas, desde há quase duas décadas, bate compassado com outro coração, o da minha mulher. Ser quem sou, sem ter quem tenho a meu lado, seria matéria de ficção, de planos hipotéticos. 

Até como artesão, destas lides mais alfabetizadas do que as dos meus antepassados, a presença da mãe dos meus filhos é determinante. Não escrevo para ela, escrevo com ela a meu lado. Claro que muitos desses escritos acabam por ser para ela e não redigisse os meus dias com o horizonte azul do seu olhar alinhado com o meu. Isso tranquiliza-me. Porém, no fundo dos meus olhos, lá desde a remota infância, sempre soube que a minha eternidade acaba no abismo da consciência. 

Nunca estarei à altura do que sinto porque não o sei demonstrar. Como não consigo, caio no exagero, na repetição, na lamechice ou caio no silêncio, abraçado à sua presença, a sua mão na minha, mãos que dispensaram alianças porque preferiram lançar-se ao chão, criar raízes com os dedos. Daí brotaram flores, árvores e crianças constantemente com as unhas sujas de terra dos sonhos dos seus pais.

Não sou um homem interessante para este presente. Sei que o meu compromisso com a arte não pode gerar novelas à Chagas Freitas, à Minh'alma ou fazer sombras a um Grey. Os poucos versos que vou vertendo carecem de erotização para o subconsciente e em nada são explícitos, para além de serem de um homem leal à mulher e ao apelido.

Por isso cada vez mais me lembro das palavras de Miguel Delibes ao recordar-nos ser um homem de fidelidades, sendo uma delas a sua esposa. Também eu, neste presente em que ninguém se consagra a nada, sou um homem fiel à sua mulher. 

Como o poeta açoriano, inevitavelmente, conhecerei, conheceremos o fim. Se o pudesse escolher, que fosse de mãos dadas, no final de uma vida plena, num desses momentos em que não encontro lamechice suficiente para lhe dizer como a amo e opto por abandonar as palavras.

Talvez assim a dor não seja tão desgarradora e as lágrimas não desagúem em mares de tristeza e solidão para quem sempre foi fiel a embarcações para dois.

terça-feira, fevereiro 04, 2020

«Um artista pertence à sua terra, à sua língua», leio em papéis que ando a estudar...

«Um artista pertence à sua terra, à sua língua», leio em papéis que ando a estudar. 
E se tem duas terras, duas línguas? Aonde pertencerá?
Não posso deixar de fazer-me estas perguntas e não fosse eu um rafeiro alentejano que passa por «mastín extremeño». 
Um artista pertence à emoção que desperta no outro. Não preciso de estudar papeladas inéditas, dum espólio maravilhoso, para afirmar o que acabo de afirmar. Igualmente como estou convencido que nem tudo o que se atribui a penas ilustres vale a pena considerar.

VI Prémio de Poesia Ángel Campos Pámpano

Ver como um adolescente encontra na poesia uma forma de expressar toda a juventude que leva dentro, sempre me deixou esperançoso (por mais que abuse de rimas fáceis ou se veja como o próximo Camões ou a próxima Florbela...). Se puder ajudar, recomendo-lhe leituras (o nosso Ángel Campos, por exemplo) e que resista, que não abandone algo que considero difícil de encontrar. Acredito que a poesia não se encontra por acaso. É preciso fazermos caso ao que encontramos, sem a arrogância de qualquer tipo de idade.

O VI Prémio de Poesia Jovem Ángel Campos Pámpano é uma forma divulgar a poesia hispano-portuguesa dos mais jovens através do legado do poeta “sanvicenteño”. Fá-lo com seriedade e com o prestigio de quem sabe distinguir o rigor poético do facilitismo “parapoético”.

Em Portugal, no Alentejo particularmente, ajudem a divulgar este Prémio de Poesia entre os mais jovens. Grato pela vossa atenção.

segunda-feira, fevereiro 03, 2020

Helena Vieira da Silva ("Lena"), com treze anos, num escrito de António Ferro

Um belo trio...

«La sombra de un café.../A sombra de um café...»

La sombra de un café va más allá de su silueta...
A sombra de um café vai para além da sua silhueta...
(Foto de 2005)

Tudo lhe parece natural...

Tudo lhe parece natural. A falar ao balcão do bar, a infusão ocupa o recipiente do passado alcoólico. Um chá de tília, parece-me ver na etiqueta pendurada da chávena e um pouco húmida com gotas da colher que dispensa açúcar.
Tudo lhe parece natural. Nascer, brincar, amar, procriar, perder-se, suicidar-se ou morrer em redundâncias. 
Para quê enfatizar momentos? Há quem resista, esperneie até ao fim. E há quem não tenha paciência. Por um ponto final evita vírgulas desnecessárias e perigosas, como aquelas que separam estupidamente o sujeito do verbo.
Tudo lhe parece normal. Tem 70 anos e sabe que vai morrer. Quando? Não tem vontade de saber e não parece preocupado.
Na vida e na arte, tudo lhe parece natural.
Eu sento-me a décadas de distância e vislumbro uma obra-prima das que verdadeiramente me fascinam. Há quem queira a recordação e o reconhecimento. Ele só quer fazer parte do que considera natural, pois a sua "Natureza" não tem memória. Prima pelo esquecimento e ele assume-o como obra, como legado invisível. A sua verdadeira obra-prima é dissolver a sua presença no tempo que viveu... e ainda vai vivendo.
Também me parece natural. E belo. Este homem a beber chá no bar do seu passado etílico é a prova de que o olvido é o sítio natural para o verdadeiro artista habitar.

domingo, fevereiro 02, 2020

O mal desta solidão alentejana.../El mal de esta soledad alentejana..." - Miguel Torga

Monforte, Alentejo, 20 de Novembro de 1956 - O mal desta solidão alentejana é poder ser vista de todos os lados. Na montanha a intimidade esconde-se; aquí expõe-se. - Miguel Torga, in "Diário VIII"

Monforte, Alentejo, 20 de noviembre de 1956 - El mal de esta soledad alentejana es que se puede ver desde todos los lados. En la montaña la intimidad se esconde; aquí se expone." - Miguel Torga, in "Diário VIII"