Miguel Torga declarou ser «um filho ocidental da Ibéria» e que Portugal era a sua «pátria cívica». Quem se dedicou ler o velho médico de São Martinho da Anta, sabe que ele é um filho predilecto de uma pátria telúrica sem fronteiras físicas, porém, bem marcada em cicatrizes.
Em plena quarentena, a olhar pela janela que vislumbra o velho cemitério a esconder uma vala comum da Guerra Civil, sei que sou filho desta Ibéria, mas ao contrário do escritor que deu mundo ao coração, sou um filho acidental. Nasci onde nasci por acaso e formei-me a olhar para o outro lado do Atlântico. Foi sem pontos cardeais que a Península se impôs no meu horizonte e comecei a palmilhar o que posso por caminhos mais aquém dos Pirinéus.
Não há desígnios para os factos, para as circunstâncias que vivo. Hoje há uma janela, uma contingência, um ar livre restrito a ir às compras, à farmácia, despejar o lixo ou a ir trabalhar. Fecha-se-me o dia-a-dia e coabito com os meus pequenos na nossa casa saudosa do nosso campo. Tudo isto é o quê? Um acidente? O ocidente infectado pelo desprezo da experiência do Oriente?
Por enquanto tenho a janela, tenho a certeza da incerteza, tenho a calma de saber que tudo tem sido um acaso. Este que estou a viver, que estamos a viver, é apenas mais um.
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