Os números assustam há muito e a coisa vai em crescendo. Há por aí já vários diários de quarentena e eu não sinto mais necessidade de escrever nestes dias do que senti noutros dias em que não estive confinado a estas circunstâncias. Para ser honesto, acho que menos vontade tenho para escrever o que vejo, o que sinto.
Por todo o lado há opiniões, há sugestões, há queixas, há agradecimentos e há medo. O medo é o único que partilho com as massas. Tenho medo e vou vivendo com ele e, por enquanto, olho-o nos olhos. Parece-me que me tem algum respeito, mas vigio-o constantemente e não fico de costas para ele.
Opiniões, poucas tenho. Sugestões, apenas fazer caso a quem sabe. Queixas, gosto pouco disso. E agradecimento não é coisa de agora, tento praticar a gratidão desde que descobri isso ter mais sentido para mim do que a religião.
Talvez por isso, quando entro numa qualquer rede social, com esses «likes» embriagantes para o ego, apercebo-me que as boas leituras, os contactos proveitosos para me tornar melhor ou deixar este mundo melhor, cada vez são menos e impera um individualismo dissimulado de nobres intenções, à primeira vista, colectivas, que me produz tristeza e, desculpem a franqueza, nojo. Nojo do que leio, do que vejo, do que oiço e nojo de mim mesmo por ali estar a ser parte integrante dessa mediocridade em rede, à qual não quero escapar pois convenci-me que não terei a visibilidade que quero e acho que mereço ter.
O que acabo de escrever retira-me toda a legitimidade para falar sobre o tema e ainda bem. Se há coisa que tão-pouco quero é legitimidade para ser quem sou.
Mas o que é certo, e aceitei como legítimo neste presente que vivo, é a obrigatoriedade do confinamento graças ao Estado de Alarme que o governo espanhol decretou há uma semana.
Não se pode sair para além do pão óbvio, da farmácia necessária ou do cocó ou xixi do cão. Árvores e pássaros, praticamente, só da janela. Nunca fomos tanto à janela nos últimos anos da história da humanidade. Ainda não superamos os assomos às ventanas em número de vezes que espreitamos ao telemóvel. Impusemo-nos a técnica e aceitámo-la como reguladora do mundo natural. Fomos, somos, arrogantes.
Essa arrogância está a ceifar a vida de quem menos o merece. São os mais velhos, aqueles que ainda se recordavam de como era viver mais em comunhão com a terra, que se recordavam de ter o que era possível e não acumularam por o simples acumular que o consumismo nos veio ensinar, ajoelhando-nos no altar da publicidade e dos mercados. São os mais velhos os que estão a ir primeiro e nem nos estamos a conseguir despedir deles. Estamos mais preocupados em ser nós num ecrã qualquer.
Quem disse que a vida é justa ou a justiça poética? Não me é fácil encontrar tamanho optimista, apesar de, às vezes, existirem momentos de sorte.
Eu (que palavra tão pequena, mas que me sujeita enormemente...) apenas me lembro de uma bela cena de um filme que vi hoje antes de vir para a cama. Se não te permitem ter uma campa, ter uma morada final, opta por uma árvore...
Muitos já morreram e mais morrerão nestes meus dois países e quando tudo estiver calmo irão querer homenagear os caídos do COVID-19. O mais fácil serão monumentos, memoriais, porém, eu plantaria uma árvore por cada um deles. Árvores com hipóteses dum futuro bosque centenário, cuja sombra nos protegesse com o exemplo, cuja presença nos lembrasse que os mais velhos são o passado que nos permite sonhar no futuro.
Sem comentários:
Enviar um comentário