domingo, maio 30, 2021

Friends

Se pensas que o tempo tem bondade...

Se pensas que o tempo tem bondade, equivocas-te. O tempo não tem nada, porém não absolutifica o vazio, permanecendo para além de ti, para além de nós, inconsciente da sua própria permanência. 
Se procuras a bondade no tempo, na oportunidade que há de surgir, pode ser que cultives alguma paciência, mas corres o risco de não veres ao teu redor essa essência que procuras.

quinta-feira, maio 27, 2021

O céu de Maio...

Fomos a Évora. Uma consulta para seguimento, em Portugal, do bebé. Enquanto a E. foi ao médico, eu fiquei com o S. e o X. no centro da cidade, aproveitando para ver o R. e o C., que já não via há algum tempo.

Confesso que o dia foi longo e começou com aulas de máscara ao som de uma rebarbadora. Coabitamos com o Covid e com obras na escola, uma mistura interessante. A verdade é que o ruído me afecta, me desequilibra e me passa factura. Por vezes penso que a minha família não o entende e me põe na cara falta de paciência. Sei que estão enganados (e não lhes desejo o mesmo tipo de exposição sonora - e não só - que eu), contudo, há momentos em que me vou abaixo em convicção e carrego culpas alheias. Vou-me aguentando em dias assim e tenho medo que se repitam com mais frequência.

Talvez por isso, os meus amigos, bem próximo do que considero família, me tenham visto mais abatido, mais cansado e com dificuldade em concentrar-me. A isto somo-lhe uma sensação de já não ser possível agarrar-me ao solo materno e recarregar baterias. Voltar a Évora é voltar a um sítio em que a minha casa já não existe. Preferia que fosse uma ruína e vez de propriedade de outrem, indisponível para me receber.

Tocar terra eborense hoje não me deu força, não me conectou com as raízes às quais jurei ser leal. Continuei no ruído, na rebarbadora a cortar-me pensamentos e a caírem en cacos no chão da minha fadiga.

Mas à volta, ainda antes de sair da cidade, os meus olhos contemplaram a silhueta da Sé no céu de Maio. As nuvens eram belas e não ocultavam a aparição do que fui no que sou. A terra da qual brotei não me deve nada, e não mo esconde, tal como não me esconde que este mês sempre foi o mais importante para mim, uma criança que ia rezar o terço à capela do bairro ao final da tarde, ou um rapazola cujo crepúsculo o ajudava a encontrar beleza e calma em deambulações ao redor das muralhas.

Volto a Évora, não volto a casa, mas encontro-me. Senti silêncio. Acho que a rebarbadora foi desligada. Espero poder dormir.


segunda-feira, maio 24, 2021

De meu pai, Hipólito...

De meu pai, Hipólito, apercebo-me da linhagem de Teseu, esse "homem forte por excelência", e nem o intuia. A sua discrição nunca mo permitiu descobrir no seio da nossa casa, onde cresci num labirinto em que o novelo da lealdade não me deixava sucumbir à superstição do minotauro ou à minha natureza obstinada e bovina.
Hoje, por entre mitologias que não aprendi da minha família, descubro no homem que me criou um passado não transmitido pela palavra, um legado a fluir-me pelas veias e nas veias dos meus filhos, ainda mais peninsulares que eu. A Ibéria é a nossa fortaleza, o reducto mais ocidental da nossa matriz, a nossa avó Europa, a quem sempre chamámos Helena, desconhecendo as nossas origens em Tróia. 
Portanto, a ventura deste dia chega tardia, contudo chega a tempo de ser reconhecida. Teseu era um camponês armado guerreiro, cuja cumplicidade com os deuses, apesar do seu cepticismo, marcou a nossa condição de homem e de seres em busca de infinito. 
Penso no meu pai, penso nas suas raízes, na relação atribulada com o seu pai. Descubro no seu nome, na estranheza com que me soava quando o pronunciava em criança, e, tantos anos depois, tudo tem sentido. Sou filho de Hipólito, "libertador dos cavalos", neto de Teseu e de Hipólita, a rainha das amazonas. Sou o passado que pude conhecer, que pude entender. Sou a pouca memória familiar afectada pela mitologia e espero que os meus filhos saibam os nossos nomes. Só assim entenderão os seus.

Versos da incerteza

"Versos da incerteza", escreve a poetisa na capa do seu poemário. Não tive oportunidade de folhear, muito menos ler, algo que gostaria, porém, ao cruzar-me com este livro, tropecei nas minhas próprias incertezas. O verso, a estrofe, o poema, em fim, todo o lirismo só o é porque é incerto, é matéria potencialmente eterna e etérea, tanto como é perecível. Nem a ciência, esses tomos seculares de firmeza cartesiana, pode gabar-se de certeza, imagine-se só um simples verso...

quinta-feira, maio 20, 2021

É difícil um gajo lutar contra o ego e querer expressar, através da arte, o que leva dentro.

É difícil um gajo lutar contra o ego e querer expressar, através da arte, o eu que leva dentro. Por vezes até é mesmo paradoxal, porém, não o creio impossível, como o velho Umbral para quem ser escritor era ser sinónimo de egocentrismo. Basta pensar no seu velho mestre e amigo, Miguel Delibes, a par de uma leitura da sua relação epistolar que manteve com Umbral durante quase seis décadas.
Ainda não terminei a leitura, mas fiquei com este sentimento sublinhado: Delibes é a antítese literária de Umbral e ainda assim ambos são capazes de se admirarem e complementarem como homens do seu tempo.

"Memoria de los árboles" – Luis Leal (in "Moñino Times", trad. Adolfo Rodríguez Fernández, mayo, 2021, pp. 46-47)

"Memoria de los árboles" – Luis Leal (trad. Adolfo Rodríguez Fernández)

Naranjo (Citrus sinensis): El sol de tu infancia brilla entre las ramas de un naranjo y los días pasan lentos al sabor de las naranjas cogidas de camino a la escuela. Quedan atrás un rastro de cáscaras y olor alegre en los dedos.

Plátano (Platanus orientalis): Se ve bien desde la ventana donde tu tronco desnudo se configura como una extensión del árbol de la plaza. Te abraza la desnudez del otro y se suma a tu mirada la perspectiva de una pareja envejeciendo de la mano hasta el día en que este plátano se seque.

Castaño (Castanea sativa): “El camino es una metáfora de la vida” te dice el peregrino rumbo a la ciudad del apóstol. Aprecias la buena compañía y vas para el mismo lugar. Como la verdad, te gustan las castañas crudas, cortadas con la frugalidad de la navaja que tus antepasados te pusieron en el bolsillo.

Pino (Pinus pinaster): Don Dinis labró los primeros versos en tu memoria y acabaron por llevarte al Atlántico de Afonso Lopes Vieira. Al llegar a la orilla del mar, con la mansa protección de los pinos que te enseñan a ver el verde del bosque, te sumerges, pero sin descalzarte nunca tus botas plagadas de reminiscencias telúricas.

Higuera (Ficus carica): Entiendes la razón por la que Siddharta se sentó debajo de una higuera. El espíritu enrama con la generosidad y de ahí brota el mejor de todos los frutos, el de la simplicidad. Ya plantaste varias y muchas perecieron, sin embargo, dos enraizaron y sustentan todos los futuros posibles: el de tu tío Leal y el que te ofreció la meseta peninsular.

Olivo (Olea europaea): La prole del zorzal persiste en la aceituna cogida, rajada y aliñada debajo de los ramos de un olivo plantado y regado por un romano de antaño. El sabor del fruto y la calidad del aceite recuerdan que la inteligencia fue la que inventó el tiempo medido y que solo acaricias lo que de más superficial supone ese tiempo. El ahora, en la compañía de este árbol milenario, olvida las escalas temporales y es simplemente vida.

Alcornoque (Quercus suber): Se secaron las mil fuentes de la Sierra de San Pedro y aún así insistes en matar la sed con ese viejo cuenco, cuyo corcho fue trabajado por un catalán de San Vicente de Alcántara.

Cerezo (Prunus nipponica): Eres testigo de como el samurai planta un cerezo consciente de honrar la mutabilidad de su ser, y termina contemplando las palmas de sus manos, callosas por la empuñadura de la espada y por el mango de la azada.

Encina (Quercus ilex rotundifolia): Matriarcales las llamaba Unamuno. Para quien no cree en apariciones eres muy devoto de este árbol, talvez porque sabes, como el filósofo  vizcaino, que su bellota alimenta al más ibérico de todos los animales, el cerdo.

Almez (Celtis australis): Confinado el cuerpo en la ventana de una era pandémica, te asomas a lo que tienes y a lo que puedes, observando como la ambición se desvanece. En la prohibición de todo, tu libertad es la discreta textura de las hojas de cualquier árbol que contendrá la sabia de los afectos que plantes.

Almendro (Prunus dulcis): Te escuchó, en alto y buen sonido, diciendo que estaba seco y que lo mejor sería cortarlo. A pesar de no ser majestuoso, era digno de su vejez y de la sombra que proyectaba más allá de todo lo que podrás ser. En silencio, acompañó una estación más e indultó tu presunción, enseñando que tiene alma y te presta atención. Por eso, el viejo almendro, aquel que creíste muerto, floreció hermoso y te dio las mejores almendras de siempre, como para enmendarse de la sequía del año anterior.

Tilo (Tilia cordata): Piensas en la necesidad de talar el árbol para construir el mástil. Los argonautas te enseñaron que navegar es preciso y vivir no es preciso, pero, a la sombra de este tilo del jardín, prefieres un Chesterton sedentario alertándote contra el radicalismo de aquellos que piensan que se puede arrancar una raíz sin afectar a la flor.

Texto original: Luis Leal, “Memória das Árvores” (trad. Adolfo Rodríguez Fernández), Revista Mais Alentejo, nº155, Janeiro/Fevereiro, 2021, p. 40.



"Memoria de los árboles" - Luis Leal (trad. Adolfo Rodríguez Fernández)

Mis primeras colaboraciones fueron en la prensa escolar y aún hoy siguen siendo de las que más me enorgullecen. Un instituto con una revista o un periódico es sinónimo de un instituto vivo, como es el caso del IES Rodríguez Moñino, con su Moñino Times. Este curso mi compañera María José recibió la herencia editorial de Antonio Carrasco y de Marta López y editó el nº 11 de nuestra revista. Enhorabuena a todos los involucrados, principalmente el alumnado de este centro educativo público. Mi aportación es pequeña y viene de la mano de mi amigo Adolfo Rodríguez Fernández, con una traducción (con ligeras adaptaciones a mi realidad española) de la crónica “Memoria de los árboles” publicada en la revista Mais Alentejo.

As minhas primeiras colaborações foram na imprensa escolar e ainda hoje continuam a ser das que mais me orgulho. Uma escola com uma revista ou um jornal é sinónimo de uma escola viva, como é o caso da Escola Secundário Rodríguez Moñino, com a sua Moñino Times. Este ano lectivo, a minha colega María José recebeu a herança editorial de Antonio Carrasco e da Marta López e editou o nº11 da nossa revista. Muitos parabéns a todos os que estiveram envolvidos na sua publicação, principalmente os alunos desta instituição de educação pública. O meu contributo é pequeno e existe graças ao meu amigo Adolfo Rodríguez Fernández, com uma tradução (com ligeiras adaptações à minha realidade espanhola) da crónica “Memória das Árvores” publicada na revista Mais Alentejo.




terça-feira, maio 18, 2021

Uma fotografia de 'teleoalreves'

 


"eternidad" é o titulo desta fotografia de teleoalreves, algures na Argentina. 


(assim aparece en Flickr o nome da autora; podemos esclarecer um bocado: "te leo al revés" em espanhol, quer dizer, "leio-te do avesso ou às avessas"



segunda-feira, maio 17, 2021

Ofícios

Acredito que quem observasse o meu dia-a-dia e tivesse um privilégio omnisciente da minha realidade talvez ficasse com a percepção de que eu tenho vários ofícios. É possível que incluísse este meu lado proclive à arte e ao pensamento nesse mesmo âmbito. Porém, como me recordava este fim-de-semana o Gonçalo M. Tavares, a literatura não é um ofício para mim como é ensinar, lavrar, podar, traduzir, educar ou inventar conteúdos (como está na moda a malta referir-se a publicitar-se a si mesmo ou a qualquer outro producto). A literatura, palavra demasiado forte para o que vou fazendo, mas a qual aceito em todo o seu peso, é uma escolha minha e não é uma actividade para ganhar a vida (um ofício como tantos outros igualmente não remunerados que tenho), mas sim uma forma de ir vivendo.

quarta-feira, maio 12, 2021

Crónica: "Memória das Árvores" de Luis Leal (in "Mais Alentejo" nº155, p.40)

Convido-vos a ler esta “Memória das Árvores”, publicada na “Mais Alentejo” nº155 (o 156 já está nas bancas!), e, quem sabe, se sintam abraçados, como eu, por estes seres únicos e majestosos. Se tiverem alguma árvore favorita, digam-me, terei todo o prazer em ver como ela vos protege e dá boa sombra... Aquele abraço.

Os invito a leer esta “Memoria de los árboles”, publicada en la “Mais Alentejo” nº155 (¡el 156 ya está en los quioscos!), y, a lo mejor, también os sentís, como yo, abrazados por estos seres únicos y majestuosos. Si tenéis algún árbol favorito, decídmelo, tendré todo el placer en ver como él os protege y os regala buena sombra… Aquele abraço.

 

Crónica: "Memória das Árvores" de Luis Leal (in "Mais Alentejo" nº155, p.40)

Memória das Árvores

Laranjeira (Citrus sinensis): O sol da tua infância brilha por entre os ramos duma laranjeira e os dias passam lentos ao sabor das laranjas colhidas a caminho da escola. Para trás um rasto de cascas e cheiro alegre nos dedos.

Plátano (Platanus orientalis): Vê-se bem da janela onde o teu tronco nu se afigura como uma extensão da árvore do largo. Abraça-te a nudez de outrem e soma-se ao teu olhar uma perspectiva de um casal a envelhecer de mão dada até ao dia em que este plátano secar.

Castanheiro (Castanea sativa): “O caminho é uma metáfora da vida” diz-te o peregrino rumo à cidade do apóstolo. Aprecias a boa companhia e vais para o mesmo sítio. Como a verdade, gostas das castanhas cruas, cortadas com a frugalidade da navalha que os teus antepassados te puseram na algibeira.

Pinheiro (Pinus pinaster): D. Dinis lavrou os primeiros versos na tua memória e acabaram por te levar ao Atlântico de Afonso Lopes Vieira. Chegado à beira-mar, com a mansa proteção dos pinheiros que te ensinam a ver o verde do bosque, mergulhas, mas sem nunca descalçares as tuas botas alentejanas. 

Figueira (Ficus carica): Entendes a razão porque Siddhartha se sentou debaixo de uma figueira. O espírito enrama com a generosidade e daí brota o melhor de todos os frutos, o da simplicidade. Já plantaste várias e muitas pereceram, porém duas enraizaram e sustentam todos os futuros possíveis: a do teu tio Leal e a que te ofereceu o planalto mirandês.

Oliveira (Olea europaea): A prole de zorzal persiste na azeitona apanhada, retalhada e temperada debaixo dos ramos duma oliveira plantada e regada por um romano de outrora. O sabor do fruto e a qualidade do azeite lembram que a inteligência foi quem inventou o tempo medido e que apenas acaricias o que de mais superficial supõe esse tempo. O agora, na companhia desta árvore milenária, esquece escalas temporais e é simplesmente vida.

Sobreiro (Quercus suber): Secaram as mil fontes da Serra d’Ossa e ainda assim insistes em matar a sede com esse velho coxo, cuja cortiça foi trabalhada por um catalão da Azaruja.

Cerejeira (Prunus nipponica): Testemunhas como o samurai planta uma cerejeira ciente de honrar a impermanência do seu ser, acabando por contemplar as palmas das suas mãos, calejadas pela empunhadura da espada e pelo cabo da enxada.   

Azinheira (Quercus ilex rotundifolia): Matriarcais chamava-lhes Unamuno. Para quem não crê em aparições és muito devoto desta árvore, talvez porque sabes, como o filósofo biscainho, que a sua bolota alimenta o mais ibérico de todos os animais, o porco.

Lódão-Bastardo (Celtis australis): Confinado o corpo à ventana duma era pandémica, assomas-te ao que tens e ao que podes, observando como a ambição se desvanece. Na proibição de tudo, a tua liberdade é a discreta textura das folhas duma qualquer árvore que conterá a seiva dos afetos que plantares.

Amendoeira (Prunus dulcis): Ouviu-te, em alto e bom som, a dizeres que estava seca e o melhor era cortar. Apesar de não ser majestosa, era digna da sua velhice e da sombra a projetar-se para além de tudo o que poderás ser. Em silêncio, acompanhou mais uma estação e indultou a tua presunção, ensinando-te que tem alma e te presta atenção. Por isso, a velha amendoeira, aquela que pensaste morta, floriu formosa e deu-te as melhores amêndoas de sempre, como que a emendar-se pela secura do ano anterior. 

Tília (Tilia cordata): Pensas na necessidade de se talar a árvore para se construir o mastro. Os argonautas ensinaram-te que navegar é preciso e viver não é preciso, mas, à sombra desta tília do jardim, preferes um Chesterton sedentário a alertar-te para o radicalismo daqueles que pensam que se pode arrancar uma raiz sem se afectar a flor. 


"Memória das Árvores" por Luis Leal

Sinto que deveria de escrever...

Sinto que deveria de escrever, pôr para fora esta necessidade de assumir as minhas incertezas e fragilidade, e simplesmente tudo fica por aqui, num misto de solidão e de absurdo. Tento ocupar-me, agarrar-me à rotina, e a mente anseia, tanto como o letargo do corpo, por um café. À quarta-feira costumo ter muito boa companhia - a minha amiga Catarina -, espero por ela. É com gosto que hoje pago eu.

Karate Kid II (Versión Familiar)

sábado, maio 08, 2021

O meu escritório favorito... /Mi despacho favorito...

Para todo o tipo de tarefas, das quais destaco estudar, o meu escritório favorito sempre foi este: o ar livre. Hoje, com a sorte de vistas para o Atlântico... 
Para todo el tipo de tareas, de las cuales destaco estudiar, mi despacho favorito siempre ha sido este: el aire libre. Hoy, con la suerte de tener vista al Atlántico... 
(Praia de Santa Cruz - Portugal)

"Karate Kid" (versión familiar)

quinta-feira, maio 06, 2021

Vingança onírica...

O meu filho mais velho inventa histórias de terror, com monstros, vampíros, zombies e coisas afins a mundos assutadores e apocalípticos, para assustar o seu irmão mais novo. Estava a ouvi-lo e o puto até o faz bem, inspirado sei lá no quê. 
A ironia está que o mais novo não é de susto fácil e vai para a cama dormir como um rochedo, enquanto que o seu irmão mais velho, o argumentista do terror, farta-se de acordar e ter pesadelos com as histórias que ele próprio inventa... e a falar em voz alta.
Isto é o que eu chamo uma vingança onírica!

A Escala do Exercício Físico – “Desde o acordar até um triatleta” (Segundo Matthew McConaughey em Greenligths - 2020)

Desde que vi a série True Detective fiquei rendido ao talento do actor Matthew McConaughey, por isso quando vi que lançou Greenlights (2020), uma espécie de autobiografia misturada com a sua filosofia de vida, fiquei curioso e, mal tive oportunidade, li-a com o objetivo de uma total forma de evasão. E não é que o livro me pôs a pensar e a rir! E não é que este maluco tanto medita com os monges do deserto (e lê Thomas Merton) como é um escatológico de primeira, a rir-se à gargalhada de si próprio, mas fiel a uma ética de trabalho férrea e comprometida com a sua arte (e com os seus semelhantes)!
Por vezes, ao pensarmos estar perante algo superficial é quando mais aprofundamos a nossa visão própria como seres humanos. Assim foi com Greenligths, do qual partilho um resumo da perspectiva original de McConaughey sobre exercício físico e “vida saudável”, com a qual me identifico, exceptuando os “Dardos no cu”, pois não sou fã de agulhas...   

A Escala do Exercício Físico – “Desde o acordar até um triatleta” (Segundo Matthew McConaughey em Greenligths - 2020)

- Acordar/Despertarse; 
- Beber um copo de água/Beber un vaso de agua;
- Mandar um fax/Plantar un pino;
- Lavar os pratos/Fregar los platos;
- Apenas planificar/Simplemente planificar;
- Masturbação/Masturbación;
- Cortar o cabelo/Cortar el pelo;
- Adquirir um espelho estreito/Comprar un espejo estrecho;
- Bronzear-te/Broncearte;
- Nada de maionese, se faz favor/Nada de mayonesa, por favor;
- Sem batatas fritas/Sin patatas fritas;
- Uma cerveja menos/Una cerveza menos;
- Vapor;
- Substituir o garfo por pauzinhos/Sustituir el tenedor por los palitos;
- Sexo;
- Dardos no cu e Exercícios Pliométricos/Dardos en el culo y Ejercícios Pliométricos;
- Tomar conta dos miúdos/Cuidar de los peques;
- Ir pelas escadas/Ir por las escaleras;
- Dançar/Bailar;
- Caminhar/Caminar;
- Yoga;
- Jogging;
- Correr;
- Ginásio/Gimnasio;
- Um treinador/Un entrenador;
- Maratona/Maratón;
- Triatlo/Triatlón.



terça-feira, maio 04, 2021

Uma resenha, muito pessoal, de “O Quanto Amei” de Sara Rodi

Ouvi durante muito tempo falar deste O Quanto Amei – Fernando Pessoa e as mulheres da sua vida à Sara Rodi e, apesar de ter demorado sete anos (um número cheio de personalidade e carácter), nunca duvidei de a sua autora o terminar mais cedo ou mais tarde. Não sendo eu propriamente um “pessoano” (adjetivo estranho se nos pusermos a pensar como merece), considero-me um estudante avançado do Modernismo português e, mal abri este livro, fiquei com outra certeza: estamos perante um trabalho de investigação notável, suportado por uma bibliografia rigorosa, cuja prosa de Sara Rodi romanceou sem abandonar os alicerces da verosimilhança. 

Desde a infância de Pessoa, a sua passagem por Durban (gosto da perspectiva de o poeta dos heterónimos haver sido uma potencial vítima de “bullying” durante a sua formação anglófona), à sua vida adulta e criadora, até ao derradeiro dia do I know not what tomorrow will bring, encontramos a presença feminina, de dentro e de fora do seu espectro familiar, algo que, ao longo dos vários anos em que a sua obra saiu de fora do âmbito da arca, não associamos ao autor, cientes mesmo de, por vezes, haver sido acusado (quem sabe injustamente) de misoginia. 
Outro apontamento de interesse da minha parte, leva-me para o vigésimo segundo capítulo, ambientado a 15 de Outubro de 1905, dia em que supostamente Fernando Pessoa privou com Augusto Gil e com outro poeta, oriundo do Marão, que estimo particularmente, Teixeira de Pascoaes. Entre misticismo, messianismo, o que concilia a presença destes dois grandes da literatura é a polémica de então inerente ao sufrágio feminino e à luta encabeçada por mulheres como Ana de Castro Osório.

E ainda temos Évora, também presente no livro, e que nos faz conjeturar que Pessoa não se circunscreveu simplesmente à sua Lisboa (omitamos Durban, propositadamente) onde podia ouvir o desassossego dos sinos da [sua] aldeia.

Não me alongarei nestas palavras pois não sou crítico literário e, se o fosse, seria logo alvo de suspeita, pois une-me à Sara uma amizade antiga. Pensando bem, a verdade é que desde que tenho memória me lembro da Sarita, da sua irmã Ana, dos seus pais (que tanto estimo) e dos seus tios que, de certa maneira, também foram meus. Lembro-me de brincarmos juntos na Rua Reguengos de Monsaraz, de a ver escrever na sua casa, no jornal dos escuteiros e de ouvir com ela um disco de vinyl dos “Scorpions”! Nessa época, os escassos anos que temos de diferença faziam com que a Sara já fosse uma mulherzinha e eu um puto, no entanto sempre lhe tive um carinho especial (nada de paixonetas – e olhem só que a Sarita é “guapísima”!), talvez porque já sentia que a minha amiga tinha nascido comprometida em melhorar este mundo e fá-lo de diversas maneiras, uma delas é através da literatura.

Passou o tempo, os estudos e os trabalhos levaram-nos para fora da nossa cidade, porém, a “Mais Alentejo” juntou-nos de novo e a escrita também. Eu sem qualquer tipo de criatividade, ao contrário da escritora de “O Quanto Amei”, com umas crónicas soltas por aí e uns versos sem saberem de que terra são. Quando decidi exibir essa minha lacuna, quando saí do armário (ou da gaveta) e reconheci as minhas intenções de expressar-me através do verbo, a Sara Rodi estava aí, como essa amiga de sempre a estimular-me a continuar por esta senda. 

Em fim, amizade e apreço à parte, tenho na minha biblioteca mais um romance da escritora Sara Rodi que se lê (e relê, sublinhando-se) com prazer e emoção. Só tenho pena de as circunstâncias não me terem permitido estar em Évora, na sua companhia, da Carmo Miranda Machado, do Antonio Sáez e dos nossos para assistir à sua apresentação. Consola-me a certeza que este livro vai cruzar fronteiras e a espanhola apanha-me de caminho!


segunda-feira, maio 03, 2021

Uma casa não se constrói pelo telhado...

Uma casa não se constrói pelo telhado, no entanto, se fores tu quem lhe constrói o telhado, abrigar-te-ás nessa memória e parte de ti estará protegido da intempérie de todo tipo de temporada.

domingo, maio 02, 2021

Dois de Maio de 2021

Nasci há 41 anos. 41 que ainda se lembram bem dos 14 e de dormir uma noite inteira sem imaginar o que era uma insónia ou contrariá-las com leitura ou com escrita. No entanto, devo dizer, caso se fique a pensar que durmo muito pouco ou mal, que ultimamente o meu descanso até tem sido contínuo e reparador, com a interrupção da mijadela da chazada prazenteira antes de ir para a cama.
Faço 41 anos e este dia 2 de Maio coincide com o Dia da Mãe. Há anos que tal não acontecia e ao meu lado dorme a mãe dos meus filhos, tal como, felizmente, ainda tenho uma mãe na sua casa, a envelhecer ao lado do meu pai, enquanto se expõe (ao invés de como nos educou) nos murais do Facebook. Custa-me ver como o ego se apoderou do mundo virtual da mulher que me trouxe ao mundo, que me possibilitou ser quem sou, que me cuidou, vestiu e acarinhou, mas acabo sempre por agradecer essa faceta de exposição embriagada de likes da minha mãe pelo simples facto de, enquanto o fizer, significar que a tenho cá.
Quanto à mulher que é mãe dos meus filhos, vamos ter outro. É a primeira vez que o escrevo e é outro menino, outro "pilas" para se juntar, dez anos e seis anos depois, respectivamente, ao S. e ao X. Já o sentimos muito presente nas nossas vidas e, desde a barriga da Elsa, reivindica a sua presença na nossa família que, aos olhos da legislação, será numerosa.
Como quase tudo nestes quarenta e um anos (escrevo-os por extenso de propósito pois parece-me um número sério), nunca o imaginei. Ainda há pouco tempo recordei a alguém que pensava que eu era um tipo imaginativo, criativo, com propensão para criar histórias, que não tenho grande imaginação, que criar só agora a horta, as árvores e as galinhas da nossa quinta, e geralmente se se me oferece um verso, o poema sai com o esforço do obreiro e, se há criação, deriva da observação do que é ser-se humano por estes dias em que me calhou viver.
Até tenho vivido. Bem, a maior parte do tempo. Mal também, algumas delas por suspeitar se mereceria o bem que colhia, essa estupidez dos idos 20 anos. Tenho invejado pouco e fujo deste sentimento, como fujo da saudade, com medo de dar de caras com o pior de mim.
Ainda tenho sonhos nos resquícios da pouca ambição que albergo. Uma ou outra viagem, um ou outro livro, alguma oportunidade de valorização laboral e pessoal, mas pouca coisa comparada com o desejo de poder acompanhar esta prole que me lembra todos os dias dos meus pés de barro.
Hoje pude somar mais um ano à minha vida. A gratidão é predominante à certeza da incerteza latente desde tenra idade. Esta tem sido a minha vida, este tem sido o motivo pelo qual decidi escrever. O que é que se há-de fazer? Ouço outra voz, mais alegre e segura de si mesma: "vivirla y escribirla, ¡hombre!"