No outro dia falava com um grupo de alunos, com uma educação e sensibilidade fora do comum, sobre como o «ser amável» me parece estar em vias de estinção.
A sociologia analisa que a origem social determina a educação, o acesso à mesma, e que em classes sociais tendencialmente médias ou altas isso se nota. Nota-se no rendimento académico, mais alto, mais competitivo, mais hiperestimulado por pais com visões do mundo mais tecnocratas ou economicistas. Têm as suas razões para pensarem assim e é totalmente legítima a sua postura perante a educação dos seus filhos. Falam línguas, dominam o cálculo matemático, já leram bastantes clássicos, muitos já viajaram a mais sítios que muitos viajantes, e são aquilo que alguns docentes veem como alunos ideais.
«De pequenino se torce o pepino», ouvi desde sempre na minha língua materna. Se lhe inserimos todas essas coisas boas, esses arsenais de conhecimento, esse hiperestimulo, o futuro está garantido. Será?
A hipertrofia muscular, e cerebral, cresce dura e sobre tecido dilatado e, se a biologia não me falha, ferido em pequenas microroturas. Por vezes sinto que estou rodeado de gente já formada, que a minha presença ali podia ser prefeitamente substituída por um youtuber, que a minha profissão é dispensável pela técnica dominante sobre o espírito.
No entanto, sei que hão de ser sempre necessários profissionais do ensino, professores normais e correntes, desses que fazem o seu trabalho como outro qualquer, com dignidade, sem aquela muleta constante da vocação ou que se vive para a escola. Faço muitas horas extra, como o meu pai fez num trabalho mais mecânico, como milhares de horas extra de outros trabalhos pagos ou pagos com a exploração do trabalhador. Faço-o por brio e nada mais. Mas sei que faço falta. Que tenho de passar os portões da escola e pôr a máscara. Tenho de ensinar mais do que a minha disciplina, mais do que a minha formação académica. Tenho de ensinar a uma cada vez maioria de jovens que esta profissão, que por esse mundo moderno já poucos querem exercer, mantém um pilar que pode evitar um apocalipse. O pilar da amabilidade, do ensinar a dizer se faz favor e obrigado, seja em que língua for.
Obrigado pelo vosso tempo, pela vossa leitura. Continuo a acreditar no poder da amabilidade, da gratidão, mesmo hoje num dia complicado em que duvido que estejamos no bom caminho.
quinta-feira, fevereiro 16, 2017
Dias de profissão sem grande sentido
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3 comentários:
Ser amável, afável, próximo, caloroso, ter espírito aberto, procurar que se aprenda mais a ler o mundo do que a ler, de forma hiper-especializada, parcelas do mundo, valorizar mais, na interação, o diálogo mais do que o paradoxalmente valorizado monólogo... ... Tudo isto são coisas do domínio da resistência, nos dias que correm. Estes são os dias da glorificação dos youtubers, das vedetas-forma-sem-conteúdo, da informação validada pelo cidadão anónimo nas redes sociais, dos populistas aspirantes a governantes...
Hoje, alunos que são formalmente adultos, que me parecem estar na universidade em regime de propo-pseudo escolaridade obrigatória, não conseguem suportar o visionamento de um filme (que me pareceu, pelas manifestações nos momentos em que conseguiam seguir, que seria do seu agrado) sem falarem alto sobre assuntos paralelos, como o sítio onde vão emborcar copos (nada contra beber uns copos), sem consultar 20 vezes o telemóvel, sem perguntarem se ainda demora. Tudo normal, talvez. Talvez eu mais velho, com menos paciência, apenas isso. Talvez valha a pena resistir. (ou emborcar uns copos...)
Um dia estranho amigo P. Um dia azedo em que uns alunos, umas árvores a crescerem num viveiro chamado escola, podem atear-se num fogo descontrolado e queimar a bela floresta que as rodeia. O bombeiro preocupa-se sempre mais com o que arde, tem receio de que se ateiem mais fogos e não saber o que fazer quando tudo arde. Esse somos nós. Sufocados em papéis, em exigências sociais, em constante formação de suporte básico de vida. Hoje, a este bombeiro parou-se-lhe a digestão. Ainda mareado pensou nessas árvores que não se protegem das chamas alheias, que não se queixam, não dão trabalho de manutenção e às quais, este bombeiro enjoado, não lhe consegue dedicar mais atenção porque o plano nacional contra incêndios onde vive priveligia a reutilização barata da madeira queimada. Acabou aliviado depois de vomitar. Libertou-se do peso da madeira e egoistamente, mas em consciência, despiu o fato de trabalho...
Temos de ir beber um copo amigo. Um qualquer. Ainda somos daqueles que aprenderam a rezar antes desta era da técnica (como diz o outro).
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