Quinta-feira, 13 de Junho. A Península está, em grande parte, consciente do extremo de temperatura a que estes meses chegaram. Córdoba chegou a uns módicos 46,8°C. O que é isso comparado com o deserto da Arábia Saudita? Pelo que vi na tv, é mais do que os desertos do petróleo atingiram esta Quinta-feira.
Badajoz esteve perto. 46°C.
É impossível não existir calor no que escrevo. Viver a estas temperaturas exige de ti um observar constante dos mais velhos, das construções do passado, do ritmo sábio de antanho, dum viver sem conhecer ares condicionados nem frigoríficos. Observavam-se os animais, as suas rotinas emuladas pelo ser humano. A memória do calor foi e continua forte nas minhas latitudes peninsulares. Em Évora era duro viver o Verão. Valiam-nos algumas tardes nas piscinas municipais (quando era possível) e as mangueiras dos quintais que nos refrescavam com água do poço. Os meus avós tinham um poço mesmo à porta de casa no pátio da minha infância. Os meus pais também. Um poço com 5 metros, herdado do tempo do meu avô Ventura, cuja água nunca sucumbiu a nenhuma seca. Segundo o meu pai, era um poço ladrão. Quando os demais das redondezas secavam, ele chupava e armazenava, na sua escassa profundidade, água alheia. Lembro-me de ver o meu pai lá dentro a limpá-lo. Senti pavor, pois a minha infância conhecia já a debilidade do suicídio alentejano pelo atirar-se para poço, para a linha do comboio e a facilidade com que se fazia um nó de forca. Recordo também o sabor salobro da sua água com a qual regávamos uma pequena horta e muitíssimos agriões, hoje enjoados após anos de salada rica em ferro.
As noites podem ser poços de escuridão, mananciais de vida a later fora de horas, furos secos impotentes de regar qualquer criatividade, qualquer sentir mais preocupado com estética do que com a autenticidade de se ter de viver.
Esta noite não é autêntica. Mente sobre mim. A mim também me mente com silhuetas confusas de desejo de eternidade num leito finito. Há arte neste poço escavado em solo febril? Seco?
Comi muito agrião regado com água salobra. Ferro não me falta. Esta é a minha vida. Esta é a minha forja. Não controlo as marteladas do meu molde pouco aguçado. Quis o destino de leal ser como uma navalha, «não julga, apenas acompanha», e tenho sido polido pelo cuidado de quem traz sempre uma naifa no bolso. Mestres e bandoleiros.
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