Acabo de ler um ensaio, muito resumidamente e pecando por alguma interpretação errónea da minha parte, sobre a actividade do escritor em Portugal. Tiro o chapéu à autora, Inês Fonseca Santos, e à Fundação Francisco Manuel dos Santos que promove uma verdadeira colecção de serviço público.
«Vale a pena? Conversa com escritores» faz a radiografia, através da conversa com onze escritores portugueses, como se vive a e da literatura neste país. Fá-lo com conhecimento de causa e duma maneira exemplar. Soube rodear-se de opiniões consistentes de criadores interessantes como António Cabrita, Mega Ferreira, Afonso Cruz ou Patrícia Portela, e outros que guardo a essência das palavras mas olvido o nome.
Inês, guardiã da poesia de Manuel António Pina, põe o dedo numa ferida estructural, que alguns remetem para características de pouco refinamento cultural português quando comparadas com outras realidades, a educação.
Quanto à minha humilde interpretação, é nesta base, influenciada pelo mundo global, que determina tudo: escritor, mercado literário nacional, editor, revisor, distribuidor e leitor. Pelo meio há os auxiliares desta cadeia, crítica e redes sociais. O caso da crítica não foi explorado como estava à espera, tal como o caso das revistas literárias que, na história da literatura portuguesa, geraram cânones («Orpheu», «Seara Nova», «Presença»...). A revista continua a ser um veículo de difusão, discreto é verdade, mas de grande qualidade quer em prosa, quer em poesia.
Outra coisa que a minha sensibilidade me chamou à atenção, foi o centralismo das duas grandes urbes, Lisboa e Porto, nesta reflexão. Isto impede que a literatura portuguesa imponha géneros regionais, impossível mesmo subliteraturas alentejana, transmontana, estremenha. Até que ponto as autarquias e a produção cultural veículada pelo poder local deveria ser estudado e inventariado? Espanha tem essa realidade regional sem a qual se pode falar de literatura espanhola. Falar de literatura no país vizinho é ter em conta uma amálgama de regiões autónomas, algumos com língua própria. O centralismo em Espanha existe a nível editorial, oscilando entre Madrid e Barcelona, mas a dimensão e distribuição pode levar-nos aos mercados iberoamericanos. O caso português não é assim.
Ficando nomes importantíssimos, e que ajudariam a entender o mercado e a escrita actual, para trás como Virgílio Ferreira, Miguel Torga (o seu caso de primeiro candidato plausível a Nobel e nobre editor, junto com a esposa, da própria obra), Mário Viegas a declamar, Carlos Pinto Coelho a acontecer diariamente um magazine cultural, o Jornal de Letras quinzenal, os cantautores de talento literário reconhecido, o Sérgio Godinho, por exemplo ou o egocentrismo (com possibilidade de Nobel) de Lobo Antunes que tem leitores ainda mais reduzidos que em poesia no que respeita aos seus romances mas que chega à leitura massiva com as suas crónicas.
O passado condiciona demasiado este «Valer a pena». O tamanho do país também, pequeno e com grandes valores literários, tal como livro que alberga este ensaio de excelente abordagem e registo mixto, ensaístico e jornalistico, ao qual lhe faltariam umas páginas para ser completo.
Mas há que ser realista. O que é preferível, esta reflexão na estante da biblioteca da universidade ou em milhares de topos em supermercados e livrarias do país?
De obrigatória leitura para quem quer escrever e ler boa literatura portuguesa. O mesmo se aplica a quem quer viver dela, escrevendo, editando e ensinando.
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