Foi um dia de campo aberto, cães a brincarem com os meus filhos, em vez de pastorearem as ovelhas a comerem o verde frio deste Fevereiro na courela. Foi um dia em que os meus pais vieram, desde a minha cidade, até à nossa rotina de fim-de-semana, na nossa parcela de sonhos à espera florirem em amendoeiras doces.
Entre festinhas aos cães, que não podemos ter em casa, e olhares atentos aos més més que, como um dos meus filhos, ainda tomam o biberão pela manhã, o sol trouxe-me o calor familiar ao frio sentido durante a semana de trabalho. Tempo dourado, precioso, como os passos, a correrem de braços abertos, pelo caminho de terra em direcção ao carro dos avós.
Ver os meus filhos com os meus pais, numa relação tão diferente da que tive com os meus avós, mas igual em ternura, pára-me. Emociona-me. Faz com que deixe de ser filho e pai, anulando os papéis a mim atribuidos só para ver eles serem netos e avós. É o tempo deles. Desejo que seja muito, cimentado por um interesse único: estar juntos. Crescer juntos e envelhecer juntos.
A luz da sua vinda não me traz juízos, nem reflexões de carácter que não me atirem à cara o meu próprio. É o que quero de um dia assim. Estar, ser e desfrutar dos meus. São poucos, porém estas pessoas criaram-me e sempre serão a minha casa.
Curiosamente, o meu pai, enquanto o seu neto mais novo o perseguia, numa cantilena repetitiva de dois anos de traquinice misturada com tagarelice, aproximou-se de mim e entregou-me o meu primeiro relógio analógico, prenda da infância, comprada pelo o meu pai e a minha mãe no então armazém de víveres da CP e por ele guardado até hoje. Jamais me iria lembrar de tal objecto, se o meu pai não mo tivesse conservado.
Já com ele na mão, voltei ao dia em que o recebi, como gostava da sua presença certeira no meu pulso de aço inoxidável. No entanto, também me recordei do dia em que me comecei a envergonhar de usá-lo no meio tantos Swatchs juvenis dos meus colegas da escola. Por uma questão de estilo, abdiquei dele, abdiquei da qualidade, da sua classe, reneguei a sua fiabilidade, tudo por uma moda imposta pela maioria adolescente, claramente manipulada por uma sociedade que nos fazia ter vergonha da cara borbulhenta para nos impingir Clerasil.
Não me arrependi do desprezo a que votei este relógio esquecido da minha infância. Foi saudável guiar-me por outros ponteiros mais afins à minha falta de maturidade, contudo tive a sorte de renegá-lo para o pulso do meu pai e, nos últimos anos, para a sua gaveta. Descobre-se muito do que somos nas gavetas de cabeceira dos nossos pais, mas não temos o direito de lá mexer, a não ser que a abram de propósito para nós.
Hoje o seu presente trouxe-me uma recordação do que sou. Já o guardei na minha gaveta, junto a outros mecanismos medidores de tempo herdados do meu avô e do meu tio. Apercebo-me de só gostar de relógios por isto, por serem a testemunha do pulsar do tempo de alguém. Não necessariamente do meu.
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