"O autor deste livro gosta da vida. O problema é que quase
ninguém gosta da sua vida. A sua vida, por assim dizê-lo, não é bem vista, é
uma vida improdutiva, fora da lógica do lucro. A escrita, a arte em geral, é
uma tarefa inútil para o Governo. Um pedreiro, um electricista e um marceneiro
sim são pessoas que fazem algo que merece o esforço: um tubo, um quadro de
luzes, uma mesa, são todas coisas úteis. Mas um poema, o que é que é isso, diz
o Governo. Para que é que serve, pergunta a olhá-lo com estranheza. Gera algum
lucro?, insiste.
E assim os dias do autor sucedem-se inutilmente. Não são
rentáveis. A sua fábrica não busca o maior rendimento no tempo mais curto. Pode
passar alguns dias sem escrever uma só linha convertido numa orelha,
deixando-se assaltar pela beleza do minúsculo, aquilo que passa inadvertido: a
folha, a árvore, uma luz a cair da janela. Coisas todas que hoje não servem
para nada, que já tiveram a sua importância em outras épocas, antes da Técnica.
Pode viver uma semana num parágrafo, num verso, como um pássaro cansado que não
muda de ramo.
Digo que o autor deste livro gosta da sua vida. O problema,
insisto, é que a sua vida é um fracasso em todos os sentidos. Que alguém se
dedique a treinar a fera do seu silêncio não é algo que contemplem as cláusulas
do moderno. Não se pode tolerar tanta lentidão. Um homem dedicado ao
descobrimento não serve para nada, há que desterrá-lo. Está muito bem
inclui-lo, já morto, num livro de texto. Para dizer que nasceu nesta ou na
outra cidade. Mas agora mesmo estorva. É um mau exemplo. Não se gosta. Uma
pedra no sapato do Progresso. Os poemas que aqui se seguem, amável leitor, não
são outra coisa que os filhos desse tempo entregue ao mundo da lua."
Granada, março de 2016 (Trad. Luis Leal)
Como gostaria de ver este livro de Jesús Montiel, bilingue, disponível em língua portuguesa... um autêntico prazer conhecer um poeta assim. Que continue a treinar a fera do seu silêncio e que ruja lentamente.
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