Pensava vir a Córdoba encontrar-me com Góngora, com as lições de cultismo que me levaram (insipidamente) a conhecer o barroco espanhol e o seu «siglo de oro». Já fiz os deveres e, num alfarrabista de sonho, levo uma breve antologia do mais célebre poeta e peculiar sacerdote cordobês. No entanto, à beira do Guadalquivir, num dos pilares de uma ponte vejo um graffiti, pouco elaborado de arte pictórica, que me fez pensar: «Sin poesía no hay ciudad».
Será a poesia o ordenamento territorial necessário à subsistência da cidade? Um motor de desenvolvimento económico, tipo indústria do espírito? O que seria das cidades sem os seus poetas? Como seria Córdoba sem Góngora? Continuei a andar e à senhora que vendia águas e cervejas junto à ponte romana voou-lhe a tampa da geleira onde guardava o fresco das bebidas dum final de tarde a escaldar quase aos 40°c. Exclamou baixinho, impotente, a olhar para a tampa a navegar no rio da cidade: «tu puta madre».
Deixei de divagar sobre versos a alicerçarem urbes e tive pena de ver o sustento da vendedora de cerveja e água fresca ir, literalmente, água a baixo.
Acabei por refrescar-me junto à estátua de Averroes, sentado nuns degraus a partilharmos umas «granizadas» em família. O intelecto activo caracteriza a forma como vivo as cidades, os passos dados em caminhos desconhecedores das minhas rotinas, porém luto com convicção e, por vezes desilusão, de querer sentir a passividade da inteligência, aquela que, este médico e filósofo devoto de Aristóteles, me ensinou encontrar-se unida à alma humana, a única coisa que me parece possível conceber como divina e eterna...
Afinal, pensava vir a Córdoba encontrar-me com Góngora, mas quem reencontrei foi o meu velho mestre muçulmano.
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