"(...) Mas tinha uma capacidade natural para entender os outros e, apesar de duro, era extremamente afectuoso. As pessoas são muito diferentes do que parecem e demoramos muito tempo a conhecê-las. Sucedeu-me isso, por exemplo, com o Ernesto Melo Antunes. Fui estúpido: demorei a compreender a grandeza do seu coração, demorei ainda mais tempo a compreender a sua bondade. Era duro e exigente e acabámos a gostar tanto um do outro. Nunca me esquecerei de quando o primeiro rapaz dele desapareceu. Olhou-me em silêncio um ror de tempo até que disse baixinho
- Tinha jurado que os levava a todos e as suas pálpebras estavam diferentes. Na véspera ou antevéspera de partir disse-me
- Acordei esta noite todo molhado. Não me deixes morrer sem dignidade.
E lá fui, atrás do caixão, com uma filha sua em cada braço. Era, com António Ramalho Eanes, o homem que conheci mais capaz de um amor viril por um amigo. E sinto-me abençoado por os ter conhecido."
António Lobo Antunes, in «Visão» (7/XIX/2017)
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