terça-feira, setembro 12, 2017

Um excerto de amor viril (António Lobo Antunes)

"(...) Mas tinha uma capacidade natural para entender os outros e, apesar de duro, era extremamente afectuoso. As pessoas são muito diferentes do que parecem e demoramos muito tempo a conhecê-las. Sucedeu-me isso, por exemplo, com o Ernesto Melo Antunes. Fui estúpido: demorei a compreender a grandeza do seu coração, demorei ainda mais tempo a compreender a sua bondade. Era duro e exigente e acabámos a gostar tanto um do outro. Nunca me esquecerei de quando o primeiro rapaz dele desapareceu. Olhou-me em silêncio um ror de tempo até que disse baixinho
- Tinha jurado que os levava a todos e as suas pálpebras estavam diferentes. Na véspera ou antevéspera de partir disse-me
- Acordei esta noite todo molhado. Não me deixes morrer sem dignidade.
E lá fui, atrás do caixão, com uma filha sua em cada braço. Era, com António Ramalho Eanes, o homem que conheci mais capaz de um amor viril por um amigo. E sinto-me abençoado por os ter conhecido."


António Lobo Antunes, in «Visão» (7/XIX/2017)


Sem comentários: