sexta-feira, dezembro 22, 2017

As Cidades Invisíveis (in revista "Mais Alentejo" nº140)

As Cidades Invisíveis (de Luis Leal)

Nada garante que o leitor acredite em tudo o que diz o cronista ao descrever-lhe as cidades por si visitadas ao longo da fronteira, mas a verdade é que o nobre leitor continua a ler estas linhas, aumentando a esperança do cronista de despertar a sua curiosidade e não ver este papel, como diziam os velhos tipógrafos, a embrulhar o peixe do dia seguinte.

A Cidade e a Memória

Quem lá habita, habita uma cidade de memória, agradecida a Deus e aos homens. Amuralhada na entrada do sopé do vale do Jerte, Plasencia detém o caminhar do peregrino da Via da Prata e viu-se disputada entre cristãos e muçulmanos, castelhanos e leoneses, e até portugueses. Partindo-se dali, para norte, espera-nos a douta Salamanca e, se a academia nos falha, que nos valha o misticismo de Ávila. A história lê-se nos anais, nos relatos de antanho, no entanto, o cronista, ali, viu cerejeiras em flor e meditou sobre o destino nos versos de poetas placentinos cujo vento soprou pela península. Sendo de fora, pensou entender como se pode viver numa cidade sujeita ao vaivém do vento. E da memória.

A Cidade Monumental

Se quiser acreditar, muito bem. Cidade subtilmente a sul de Plasencia, Cáceres, capital de província, remonta a sua vocação administrativa à sua fundação romana de “Norba Caesarina”. Igualmente alinhada com a Via, comercial e espiritual, da Prata, os visigodos não quiseram saber de burocracia, arrasando-a até ser outra vez posta no mapa pelos muçulmanos, como base militar, visando deter o fervor de reconquista. Tal não impediu o ímpeto de S. Jorge invadir as suas ruas, transformar mesquitas em igrejas e palácios muçulmanos em palácios cristãos. Longe da sua Capadócia natal, orgulha-se de ter domesticado o dragão e assume-se padroeiro duma verdadeira cidade monumental.

A Cidade Capital

Censura-se o cronista por nunca haver pisado o seu templo. Perdoa-se a lacuna por haver nascido na sua irmã gémea, Évora. Nas margens do Guadiana, Mérida ergue-se como capital da Extremadura. Fundada 25 anos antes do carpinteiro salvador ter vindo à terra redimir-nos dos pecados e revolucionado o calendário, “Emerita Augusta” foi a capital da Lusitânia, anos mais tarde tornada “ocidental praia Lusitana” nuns “Lusíadas” muito épicos e escassos de rigor histórico. Mas, um eborense sabe que Mérida não necessita de reverências de Portugal, pois tem Roma no sangue, tem um império que definiu o que é ser ocidental. 

A Cidade e o Desejo

Em Badajoz tudo é uma questão de luz. Os néons, os leds dos escaparates, os “outdoors” dos centros comerciais, encandeiam o primeiro olhar. Iluminam o desejo de comprar após vários quilómetros a culminarem em depósitos cheios de gasolina, sapatos novos, roupa da moda e cosmética variada a maquilhar bem-estar material de felicidade. Porém, a claridade da “Plaza Alta”, os amanheceres e os pores-do-sol que unem a Ponte de Palmas, o resplendor recatado do açude, impede outras perspectivas de serem escravas da economia da cidade, ademais de ter enamorado os passos e pedaladas diáfanas do cronista.

O mapa do caríssimo leitor será mais credível, vasto, terá cidades espalhadas e marcadas mundo fora. Terá prioridades de milhas, desejará vê-las convertidas em quilómetros de experiência de vida, contudo permita-se-lhe a recomendação destas linhas, destas cidades subjectivas, ao lado, invisíveis. A única garantia que o cronista lhe pode dar é que para um “extremeño” as cidades do Alentejo são visíveis e lhe despertam curiosidade, mais oportunidades do que abastecer o carro na gasolineira do supermercado. Escrito isto, este papel já pode embrulhar qualquer peixe que se venda no futuro.




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