Metade do dia foi como sempre, a
trabalhar, a tentar ensinar a língua, que os meus pais me deram à nascença, na
cidade, no país, de nascimento dos meus filhos. Tudo normal. Rotina com as
imprevisões da profissão, alguns momentos de tédio dos que me aturam e outros
de atenção. Deixo a labuta com a sensação de dever cumprido, de
responsabilidade face ao profissionalismo que nos é exigido e, no espaço laboral,
fica o professor, apesar de em casa continuar o trabalho invisível daqueles que
enveredam pelo ganha pão docente.
Entre o trabalho e a casa, vive o
homem. Recolhe descendência e permite ao entorno vislumbrar a cara despida de
mais caras necessárias à sobrevivência. A minha está desleixada, cheia de barba,
acompanhada de tiques típicos dos ursos e da minha linhagem que outrora povoou
as cavernas da pré-história.
À tarde, esperava-me o
compromisso com o Manuel Chacón, a minha presença ao seu amável convite num dos
“Miércoles Poéticos”, em português “Quartas-feiras Poéticas”. Foi uma pena a
língua portuguesa ter abandonado o paganismo dos dias da semana. Mercúrio tem
mais lirismo que qualquer feira enumerada pela ordem que seja. Ao Manuel une-me
muito mais do que a profissão. Une-nos a raia, o ar livre, estas coisas da arte
e os Pearl Jam. A amizade creio ser mais um dos elementos de união, mesmo que
grande parte dela se tenha forjado pela internet. Eis um bom exemplo, para mim
próprio, de que nem tudo o que prolifera na rede é nocivo ao meu tempo.
Estes “Miércoles poéticos”, nada
mais do que tardes literárias dinamizadas pelo Manuel no “Colegio Diocesano San
Antón” de Badajoz, fez-me pensar em tantas coisas. Uma delas, à qual já começo
a estar habituado, e talvez farto, a fronteira que levo em mim. E outra, entre
muitas mais, como o catolicismo está presente em muitas das linhas que escrevo
e em parte do homem que vou sendo, sem necessidade de instituição, mas
profundamente devoto a um templo de silêncio, a uma ideia maior do que o meu
pensamento pode conceber.
Como li, há tempos, e sublinhei
na autobiografia do “Boss” Springsteen, “com os anos cheguei a sentir a fadiga
emocional e corporal do catolicismo”. As suas palavras expressam o que também
senti e não consegui verbalizar. Optei por declarar guerra a mim mesmo, bombardear
a catedral erguida no meu espírito infantil e deixar em escombros uma
adolescência necessitada em acreditar numa qualquer possibilidade de atadura
frente ao abismo de perfeição que toda a chavalada traz dentro de si. Porém, à
medida que ia ficando mais velho, notei que, no meio de tantas ruínas, de tanto
entulho, ainda restava alguma inocência do “cruzado” educado para a paz pela
irmã Lídia. Ainda restavam os alicerces duma humilde capelinha de bairro.
Fale espanhol, português, ou
inglês enferrujado, a minha forma de pensar, reagir e comportar-me, denota esse
passado “cruzado”, essa conjuntura na qual está a origem das primeiras coisas
que escrevi.
Hoje, no “Colegio Diocesano San
Antón” falei de “Fronteiras da literatura e de Literatura de fronteiras”. E
houve jovens a ouvirem-me com atenção. E houve iniciativa própria. E houve uma
das mais belas declamações que um poema meu poderá conhecer por parte dum rapaz
já a resistir no trabalhoso universo das letras.
E houve um Luis que assumiu há
muito que deixara de enganar-se. Um Luis que, mesmo sem saber no que, ou em
quem, acreditar, assume que um católico o é para sempre.
Mais sobre este dia, melhor, sobre esta
tarde escreverei. Mas neste exacto momento, nesta secretária onde assento o
computador, tenho a certeza que partilho algo com alguém.
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