quarta-feira, dezembro 13, 2017

Diário dum presente que não se perdeu totalmente do seu passado

Metade do dia foi como sempre, a trabalhar, a tentar ensinar a língua, que os meus pais me deram à nascença, na cidade, no país, de nascimento dos meus filhos. Tudo normal. Rotina com as imprevisões da profissão, alguns momentos de tédio dos que me aturam e outros de atenção. Deixo a labuta com a sensação de dever cumprido, de responsabilidade face ao profissionalismo que nos é exigido e, no espaço laboral, fica o professor, apesar de em casa continuar o trabalho invisível daqueles que enveredam pelo ganha pão docente.

Entre o trabalho e a casa, vive o homem. Recolhe descendência e permite ao entorno vislumbrar a cara despida de mais caras necessárias à sobrevivência. A minha está desleixada, cheia de barba, acompanhada de tiques típicos dos ursos e da minha linhagem que outrora povoou as cavernas da pré-história.

À tarde, esperava-me o compromisso com o Manuel Chacón, a minha presença ao seu amável convite num dos “Miércoles Poéticos”, em português “Quartas-feiras Poéticas”. Foi uma pena a língua portuguesa ter abandonado o paganismo dos dias da semana. Mercúrio tem mais lirismo que qualquer feira enumerada pela ordem que seja. Ao Manuel une-me muito mais do que a profissão. Une-nos a raia, o ar livre, estas coisas da arte e os Pearl Jam. A amizade creio ser mais um dos elementos de união, mesmo que grande parte dela se tenha forjado pela internet. Eis um bom exemplo, para mim próprio, de que nem tudo o que prolifera na rede é nocivo ao meu tempo.

Estes “Miércoles poéticos”, nada mais do que tardes literárias dinamizadas pelo Manuel no “Colegio Diocesano San Antón” de Badajoz, fez-me pensar em tantas coisas. Uma delas, à qual já começo a estar habituado, e talvez farto, a fronteira que levo em mim. E outra, entre muitas mais, como o catolicismo está presente em muitas das linhas que escrevo e em parte do homem que vou sendo, sem necessidade de instituição, mas profundamente devoto a um templo de silêncio, a uma ideia maior do que o meu pensamento pode conceber.

Como li, há tempos, e sublinhei na autobiografia do “Boss” Springsteen, “com os anos cheguei a sentir a fadiga emocional e corporal do catolicismo”. As suas palavras expressam o que também senti e não consegui verbalizar. Optei por declarar guerra a mim mesmo, bombardear a catedral erguida no meu espírito infantil e deixar em escombros uma adolescência necessitada em acreditar numa qualquer possibilidade de atadura frente ao abismo de perfeição que toda a chavalada traz dentro de si. Porém, à medida que ia ficando mais velho, notei que, no meio de tantas ruínas, de tanto entulho, ainda restava alguma inocência do “cruzado” educado para a paz pela irmã Lídia. Ainda restavam os alicerces duma humilde capelinha de bairro.

Fale espanhol, português, ou inglês enferrujado, a minha forma de pensar, reagir e comportar-me, denota esse passado “cruzado”, essa conjuntura na qual está a origem das primeiras coisas que escrevi.  

Hoje, no “Colegio Diocesano San Antón” falei de “Fronteiras da literatura e de Literatura de fronteiras”. E houve jovens a ouvirem-me com atenção. E houve iniciativa própria. E houve uma das mais belas declamações que um poema meu poderá conhecer por parte dum rapaz já a resistir no trabalhoso universo das letras.

E houve um Luis que assumiu há muito que deixara de enganar-se. Um Luis que, mesmo sem saber no que, ou em quem, acreditar, assume que um católico o é para sempre.

Mais sobre este dia, melhor, sobre esta tarde escreverei. Mas neste exacto momento, nesta secretária onde assento o computador, tenho a certeza que partilho algo com alguém.


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