Neste domingo, 3 de Dezembro, abriu-se-me uma ferida amável que
jamais conhecerá tacto de cicatriz. Hoje despeço-me do homem a quem nunca
escondi querer imitar na tentativa de um dia herdar uma sabedoria sem letras, porém doutorada com a força da curiosidade e da teimosia do espírito. Hoje despeço-me
de alguém a quem tanto devo e juro lealdade.
Sempre me custou despedir-me de ti. Dizer-te adeus e deixar-te para
trás com a avó a acenar-me. Sempre me vai custar, avô. Prometo-te. Não vou
parar. Enquanto puder, não vou parar.
O teu Ganhão.
Ladeira da Boa-Morte
(para João Leal)
O seu avô
conquistou
à força do pedal
anos em corrente
a ladeira da
Boa-Morte
Tantas conquistas
diárias
irritaram a velha
ceifeira
a ver uma pedaleira
encostada a um
rodapé
duma casa humilde
mas teimosa de
sustento
De pé
as últimas palavras
que lhe disse foram
Neto, não se pode parar. Não posso parar.
Com esta idade
enquanto puder andar...
Depois vieram
outras rodas
As da cadeira
As da cama
articulada
E à beira a velha
segadora
castiga a ousadia
ceifa as pernas
incansáveis
deste sobreiro
enraizado
num montado jovial
e atrevido
Agora a secar lento
de agonia
Até tombado no chão
ele o ensina
Neto, se venceres a morte em vida
a magana vem e vinga-se.
a magana vem e vinga-se.
Sem comentários:
Enviar um comentário