Enterro o meu avô e admiro o meu pai. Os dois homens mais
presentes na minha vida. Um sogro e um genro, em nada diferente dum pai e dum
filho. Admiro-os. São especiais e invulgares de tão diferentes entre eles.
Neles vi como a estima e o respeito forjam uniões sem biologia comum.
Um viveu como os pássaros. Voou por onde quis e fez ninho
numa árvore acolhedora. O outro não conheceu a proteção da asa, como dita a
natureza materna. Cresceu órfão de carinho enraizante como o que lançou no lar
que construiu entre as ruínas da casa da sua infância.
O meu avô e o meu pai são o belo labirinto de flores e ruínas
que frequentemente percorro dentro de mim. Não encontro a saída, porém sei não
estar perdido.
Hoje, ao enterrar o meu avô e a admirar o meu pai, por mais
luz e transparência que os meus olhos tenham, por mais alegria resplandeçam os
meus gestos, o meu pai é o melhor de mim. Com todas as inseguranças que a vida
lhe tenha dado, é melhor do que eu. Escrevo-o neste diário porque assim lho
devo, com uma gratidão a correr-me nas veias, igual à gratidão com que se
despediu do pai da sua mulher, a minha mãe.
O meu pai é melhor do que eu porque estava disposto a
acolher, na última morada dos seus pais, a memória do seu sogro. Dar-lhe o
último abrigo no que lhe resta da casa dos pais. Tal assim não foi pois existem
protocolos a seguir e o corpo da minha avó paterna não reside há tempo
suficiente para se reabrir o tampo da campa a um novo inquilino.
É por isso que, aquele que outrora foi o meu avô João Leal, jaz
em terreno alugado a prazo. Apenas o período suficiente para a matéria se
tornar pó. No fundo, algo análogo ao que somos em vida, com a ressalva de sermos matéria orgânica ainda com tempo, a outra já expirou.
Contudo, a gratidão do meu pai, o discreto Hipólito Pinto,
esse a quem reconheço ser melhor ser humano do que eu, ficou-me numa retina
insegura de paraíso, mas profundamente crente numa qualquer eternidade destas
coisas que se sentem e são completamente impossíveis de deixar como crónica.
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