Para uma família de católicos dum bairro periférico de Évora nos anos 80, a vida na terra era uma bênção de catálogo Reader's Digest e não de Deus. Esta aproximação à biologia e às teorias de Darwin era um complemento à bíblia e aos seus versículos.
Hoje ao cruzar-me com o que este livro do David Attembourgh fez por mim, apercebi-me que ele estava lá antes da bíblia. É verdade. Apesar do cristianismo herdado pelos sacramentos, o pretenso livro com a palavra d'Ele só se adquiriu já o meu corpo estava na puberdade e os meus pais eram devotos casais de Santa Maria (parece que o Guterres também foi, logo tenho algo em comum com o atual orgulho luso).
Ficava horas nas páginas dedicadas aos tubarões e aos dinossauros, tanto era o fascínio que "A Vida na Terra" em mim exercia. De capa dura, papel de altíssima qualidade, este livro impunha-se perante a escassez bibliográfica que a minha mãe paliava com o "Sexus" do Henry Miller, o "Sangue na Areia" do Ibáñez, se não me engano, "Os Deuses e Demónios da Medicina" do Namora e uns escassos mais liderados pelo "Kamasutra" da Vastsyayana. Se as vezes que folheei e li excertos deste livro fosse proporcional às minhas experiências podia anunciar-me no jornal como guru sexual. Mas aqueles desenhos indianos, atrevidos de conteúdo explicito para adulto mas ainda por descobrir para um puto curioso, não eram rivais das bandas desenhadas pornográficas que o meu tio Leopoldo me comprava nos quiosques da Senhora da Rocha e de Porches. Talvez por serem tão uni-dimensionais, e de estética quase egípcia, e isso comparado com o traço voluptuoso de inspiração Manara não sei se me desperta mais a libido ou a nostalgia.
Não tínhamos muitos livros em casa mas tínhamos os suficientes. A "Vida na Terra" era um deles... Hoje precisaria de uma edição aumentada de mim. Feito estúpido pus-me a ler outras vidas, a viver outros nomes, e já não sou o borbulhento de antes agarrado às grandes bestas da natureza... Agarrei-me a outras bestas, às que não têm desculpa por serem umas bestas...
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