Quase nunca escrevo sobre a minha profissão, aquela da minha formação básica, aquela que acredito ter vocação (sem me ver exclusivo e escravo dela). Mesmo a pensar na minha família - prioridade pela razão - sei que é à minha profissão ao que dedico mais horas da minha vida. É uma realidade consciente e bastante bem equilibrada com excepção de alguns dias como o de hoje.
Contar-se-ão pelos dedos de uma mão as vezes que entrei no local onde exerço a função de docente sem uma preparação prévia. Não me atrevo a dizer nunca, por o síndrome da terra do Peter Pan e por alguma vez ter improvisado algum relax em contexto de sala de aula. Mas mesmo até o relax deve estar pensado e contextualizado para melhorar o processo de ensino/aprendizagem e melhorar a nossa prática docente.
Tanta palha para dizer que sou professor. Tenho orgulho nas minhas funções como tinha quando repunha no supermercado, trabalhava no "Sol e Desporto", lavava pratos no restaurante do meu tio ou ajudava o meu pai a fazer cimento e outros trabalhos manuais, quase sempre no Verão.
Há nobreza em todos os trabalhos feitos com honestidade e remunerados e respeitados com honestidade. O meu vai-me pondo comida na mesa, vestindo e possibilitando uma vida sóbria, sem luxos, com direito a alguma dignidade laboral. Não é perfeito mas é justo o suficiente para estes tempos tão injustos em que somos governados apenas por técnica cega para a humanidade.
Mas ensinar, com todos os métodos e técnicas pedagógicas de última geração, exige predisposição do outro, respeito pela tua condição e, algo nada divertido no meio de tanto facilitismo, algum esforço. Não me posso queixar demasiado, vou tendo alunos dignos da minha dedicação, eu digno deles ou um pouco de ambas coisas. No entanto, há funções que desempenho extra sala de aula no espaço escolar que me fazem pensar se acharei vocação nos anos vindouros. Estar a fazer rondas no pátio, estilo polícia educativo, e as famosas aulas de substituição, onde aguento os alunos cujo professor está ausente nesse momento. Entras numa sala de aula e aguentas uma hora a impor disciplina sem grande didáctica possível para entreter o vazio... Um carcereiro poderia fazer o mesmo, com a opção de disciplinar à cacetada ou sancionar com o código penal...
Só quero poder ensinar a dignidade com dignidade e respeito. Quem quiser aprender tudo farei para estar à altura de tamanha exigência... Mesmo quem não queira, tentarei enquanto achar que vale a pena... Até ao limite do humanamente possível sem deteriorar-me como pessoa, se chegas a esse limite nem és um bom profissional nem um ser humano equilibrado (o que quer que isso signifique!?).
Hoje, no recreio, houve um prenúncio de zaragata feminina, estúpida, meio delinquente, e, no meio da massa interessada na possível cena de porrada, a escassa autoridade da minha função foi ridícula, indiferente e pouco efectiva. A coisa felizmente não piorou, ficou por um bate boca reflexo da educação daquelas jovens sem afectos e sexualmente activas sabe Deus desde quando... Eu voltei a pensar o que já pensei tantas vezes. "Foda-se, o que é que eu ando aqui a fazer?".
A resposta está ali. Rumou para ali, para a barafunda "vouyer" hormonal e adolescente. Ser professor numa modernidade que não necessita de ser ensinada, basta ser vivida, intensamente consumida, é uma profissão de risco mental e físico. Quem está preocupado?
Eu faço sempre o mesmo. Lembro-me que a vocação não é singular, é plural. Há vocação em tantas outras coisas e não tenho de deixar de ser um professor sem vocação. Nego-me a ser assediado por esta circunstância. Penso no meu ego, na minha auto-estima, na verdadeira arte de ensinar, sem politicamente ou socialmente correto, numa "Arte da Guerra" para a educação do século XXI.
Se não consigo derrotar a multidão para quê enfrentá-la? Mistura-te nela e mina o sistema desde dentro... Há sempre alguém que se apercebe que não vamos longe com peças defeituosas...
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