É tão fácil confundirmos os
holofotes da fama com a luz natural do prestígio, mais ainda neste tempo
hiperbólico que vivemos. Compilam-se, assimilam-se e rejeitam-se exemplos.
Primeiro a família (ou algo parecido), depois os amigos, afinidades e outras
circunstâncias, mais ou menos gregárias. No meu caso, depois do óbvio e generalizável
à maioria, foi o mundo das artes marciais, em especial, o Karaté Goju-Ryu. Reconheço
que, antes do humanismo, e tantos outros “ismos”, já estava iniciado na “escola
do duro e do suave”, oriunda duma longínqua Okinawa, posta na moda pela
personagem do Mr. Miyagi no “Karate Kid II”. (Não vos remeto para o “Glory of
Love” do Peter Cetera, porque hoje até nem estou muito sentimental).
Neste âmbito, no qual há uma ascensão
graduada por cores de cinturões, conheci e conheço um pouco de tudo. A
dedicação, a honestidade do estudo e a humildade, somados numa perfeição
técnica e humana, com prova dos nove na discrição do espírito do “Bushido” (do
japonês, literalmente, "caminho do guerreiro"). Por outro lado,
encontrei a preponderância do ego, o nariz empinado, fanfarrão, a passear o
cinturão sem o qual lhe cairia as calças do “Gi”, vulgarmente conhecido por
“kimono”. Até aqui nada de novo. Somos assim e temos um legado proverbial a asseverar-nos
o carácter com que nos assumimos perante o mundo.
Mais tarde, chego à academia,
assomo-me a outras artes, insiro-me no mundo laboral e entrevejo que todos os microcosmos
vivem rituais e cultos de personalidade semelhantes. Como no Karaté, podes ser
atingido por golpes à má fila, teres de prestar reverencia a “senseis” da
farinha amparo, mas também aprendes a salvaguardar a tua integridade, a definires
a tua conduta e a apreender a essência do verdadeiro “budoka” (artista marcial),
tão distante do fala-barato de muita teoria e nenhum exemplo prático.
Este universo, redundantemente
agressivo na opinião de alguns, marcou profundamente a forma de interpretar o
meu dia-a-dia, mundano e prosaico, e o de quem por cá anda. Confesso, não aprecio
quem constantemente se lamuria, se vitimiza, justifica que o seu é pior que o
do outro e, consequentemente, a culpa é, e sempre será, de outrem. Em suma, não
gosto de queixinhas a pensarem que o mundo tem para com eles alguma divida mais
além da dignidade intrínseca à condição humana.
As duas terras, entre as quais existo,
são difíceis para se subsistir. Impera a desertificação e o trabalho não
abunda. São realidades envelhecidas, periferias pobres votadas ao haraquíri
pelo poder central, mas onde encontramos verdadeiros “mestres”, como dizia o
meu tio António, do viver. Essa mestria ganha-se com o exemplo ao longo da
vida, com constância e vivacidade e sem se cair no queixume. Infelizmente este
reconhecimento está em desuso. As novas gerações estão acostumadas a títulos
rápidos, a habilitações emitidas ao domingo, e não foram ensinadas a cantar,
nem a comprar, na “Loja do Mestre André”.
Para bem e para mal, tenho uma
teimosia quase bovina. Reconheço o estatuto de mestre a quem o mereceu a pulso,
“velhos samurais que nem um ai se lhes ouve em vida, que, entre o desdém e a
lisonja, sempre souberam o que são e o que valem”, esses que, mesmo com fome,
palitam os dentes satisfeitos (voltando ao japonês: “Bushi wa kuwanedo taka-yoji”).
O “quejarse de vicio” espanhol é
uma tendência por vezes mais forte que eu, tal como a herança lusa de “quem não
se sente não é filho de boa gente”, porém renego-a. Não vale a pena, é uma
perda de tempo e creio ter ainda alguma perspectiva. Não me socorro de nenhuma
autoajuda disponível no mercado. Socorro-me do valor de tanta gente, mestres
alentejanos e “extremeños”, a grande maioria idosos, cujo património, resistência,
esforçar-me-ei por manter vivo.
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