Todas as Quintas-feiras da Ascensão, a minha avó Helena ia
ao campo, muitas vezes ao descampado entre o pátio e a linha de caminho de
ferro, apanhar a espiga. Toda a vida vi um viçoso ramo de várias plantas,
composto por uma espiga, um malmequer, uma papoila, um raminho de oliveira,
videira e alecrim, atado por uma linha de coser e pendurado na parede da sua cozinha,
exactamente no mesmo prego onde o meu avô João pendurava o calendário anual da
espingardaria, na qual se munia de cartuchos para a caça, e pelo qual ambos
organizavam os seus dias.
Lembro-me de ir à espiga sem entender a tradição do ramo que
compúnhamos. Nunca mo explicaram, porém, aprendi a sua simbologia no pão que
nunca me faltou, na fortuna de tempo que comigo gastaram, no amor incondicional
que me deram, na candeia que iluminou as minhas noites, nos sorrisos e nas
gargalhadas cúmplices de ser imperfeito e na gratidão pela saúde e força com
que me puderam ver crescer.
Abundância, alegria, saúde e sorte, quem não as deseja? À
frente da minha casa tenho um descampado onde posso encontrar tudo o que é
necessário para compor um ramo de espiga como os da minha avó. Muitos não têm,
nem tiveram, este privilégio. No entanto eu cresci, tenho mesmo certificados
que o atestam, e já não vou à espiga. Deveria
envergonhar-me e não me desculpar com a falta de tempo desta minha vida dita “moderna”…
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