quinta-feira, novembro 30, 2017

Amigo Assis Pacheco!


1935 e 1995. Com 60 anos de diferença, Fernando Pessoa e Fernando Assis Pacheco morreram no mesmo dia: um 30 de novembro. Recordamos Fernando Pessoa com muita frequência e, assim, hoje, ficamos com o nosso querido amigo, porque assim o sentimos sem o ter conhecido, mas lido e apreciado, Fernando Assis Pacheco.


PRESO POLÍTICO

1

Quiseram pôr-me inteiro numa ficha.
O dia e a noite são iguais por dentro.
Não há papel que conte a minha vida
mais que estes versos de punhal à cinta.
A barba cresce, e cresce a voz armada
descendo pelos muros tão tranquila;
tão tranquila que já nem desespera
de ser apenas voz, não uma guerra.

Quiseram pôr-me inteiro numa ficha.
Não há papel que conte a minha vida.
Mais que estes versos, esta mão estendida
por sobre os muros só de medo e pedra.


2

Quando saíres, amigo, não me esqueças.
Fico à espera da tua novidade.
Olha bem que farás da liberdade:
quando saíres, amigo, não me esqueças.

Quero mais fazimento que promessas.
São de prata os enganos da cidade
com que outros sujeitam a vontade.
Não me esqueças, amigo, não me esqueças.

1966

Fernando Assis Pacheco, in 'Lote de Salvados'

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