Ocupavam os
quatro lugares à frente dos nossos e chegaram ainda antes das apresentações
prévias ao filme «Justice League». Tinha ido com o meu filho e, dos dois, com
os 30 anos a mais que lhe levo de vantagem, o mais infantil sou eu, mas a
criança de olhar limpo e curioso, felizmente, é ele. Mas isso pouco interessa
para esta nota e nada tem a ver com os quatro adolescentes irritantes sentados
à nossa frente.
O
incómodo foi relativo, oscilando entre o levemente desagradável e a vontade de
os educar ao estalo. Como faço no trabalho, adaptei-me ao seu registo e
concentrei-me no exemplo de atenção do meu pequeno e na narrativa hiperbolizada
do filme de muitas das minhas bds de puto. No entanto, foi impossível não ouvir
a forma como eles se referiam aos seus professores. Deram mais atenção na sua
conversa ao de música. Ridiculizaram-no ao quadrado, na impossibilidade de
humilhá-lo em pessoa, sem esquecer docentes de outras disciplinas.
Cara, cabelo,
óculos, até as calças, sem marca registada, a vincarem o órgão sexual, foram
tópicos de conversa daquelas quatro almas que, curiosamente, não estudavam na
escola pública. Não afirmo isto porque na escola pública não haja casos de
ridículo como estes, sim porque através da sua conversa denotei um elitismo
pouco usual no ensino disponibilizado pelo estado para todos. Por outras
palavras, estavam quatro betinhos que não sabem um caralho da vida a ruminarem
pipocas e a regurgitarem estrume por aquelas bocas de educação prepotente cujo futuro
parece estar bem mais assegurado do que o de muitos jovens a quem me dedico
profissionalmente.
Não quero
imaginar o que dirão de mim. Os meus tiques são bem evidentes e não me parece
ter as calças vincadas pelo tamanho da pila - só se for para o trabalho com calções
de licra -, porém tenho uma certa preocupação com o exemplo de profissionalismo
e higiene pessoal. Não levo para a escola as minhas botas preferidas, aquelas
bem cómodas, operárias e operacionais, biqueira de aço, usadas para o trabalho
no campo. Talvez devesse.
A profissão que
exerço para ganhar o pão, essa que necessita tanto de formação como de vocação,
está numa encruzilhada histórica por este mundo fora e, na Europa, nem se fala.
Não é porque um qualquer vídeo tutorial nos venha substituir, ou um robot
programado em várias “websummits”, ou pela remuneração de subsistência de
muitos docentes (que, do salário, subtraem para material didáctico). É pela
indiferença pelo conhecimento, é pela indiferença do livre-arbítrio, é pela
massificação do individualismo.
Tem piada. Os
pais desta rapaziada estão a dar-lhe a melhor formação possível. Acredito que
sim e até pode ter sido má impressão minha, cansado do dia-a-dia. Num estado
totalitário não se falaria assim das pessoas em público. Num estado barbudo
islâmico não se comentariam vestes de vinco fálicos. A autoridade não se contestaria em regimes de autoritarismo, igualmente não haveria a preocupação em motivar o
outro, em torná-lo receptivo ao que se tem de transmitir. Currículos de gulag, atenção à diversidade espartana e avaliação de discernimento siberiano. Obrigar-se-ia e ponto. Lei do cacete. Lei das barbas. Lei das delapidações. Lei das cabeças rapadas.
“A Liga da
Justiça” lá terminou com o Super-Homem ressuscitado. O meu filho feliz e eu à
sua felicidade agarrado. Porém, foi-me impossível ficar alienado àqueles jovens
que, como os bancos, e o chão, nos quais se sentaram, deixaram essa projecção
cheia de sujidade e indiferença no chão. Alguém foi lá limpar a merda que
deixaram. Voltei para casa chateado comigo mesmo por me apetecer que existisse alguém
autoritário que os obrigasse a limpar o que sujaram.
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