Sempre gostei de viajar, mesmo em criança, à noite, em sonhos que me punham a dormir enviesado na cama ou de cabeça para baixo. Viajava duma ponta da cama à outra. Hoje sou mais comedido nas deslocações e arrumo-me na parte da cama que me corresponde, contudo voltei às minhas voltas em vale de lençóis de criança graças aos meus filhos. É normal ouvir o mais velho dar uma cabeçada na parede e o mais novo aconchegar-se ao fundo da caminha. Ambos dormem com uma protecção, uma fronteira que os impede de cair no chão vindo rebolados do mundo do João Pestana.
Caí várias vezes da cama, mesmo em adulto e a última vez não foi há muito tempo. Já lá vai o tempo em que o meu avô me erguia uma fronteira de cadeiras vinda da sala e impedia os meus périplios nocturnos de acabarem no chão encerado. Escrevo esta nota e estou ali. Ouço o meu avô na cozinha, vejo pela frinja de luz a minha avó a pôr as gotas nos olhos e eu estou deitado na velha cama, com colchão de espuma (o ortopédico viria herdado depois), que range a velha madeira a condizer com a mesinha de cabeceira. Na cómoda está a sagrada família, um terço, umas cartas com contas já pagas e um naprom. A luz da cozinha está acesa, mesmo que não a visse ouvir-se-ia o seu zumbir característico. Daqui sei que não caio. O meu avô encarregou-se disso.
Escrevo esta nota e estou aqui. A distância é aquela que o tempo na minha memória permitir perdurar. Mas eu, aqui deitado a escrever, permito algo ao qual sou avesso. Um pouco de nostalgia, para não cair na saudade.
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